1.
INTRODUÇÃO
A
temática do aborto no Brasil e no mundo gerou e vem gerado polêmica quanto a
sua legalidade ou não. A política legal adotada no caso brasileiro visa a
criminalização do ato (arts. 124-127) , salvo em casos de estupro ou
recomendação médica (art. 128).
A intenção do presente tipo penal
visa a proteção do sujeito que está em formação no útero materno. Mesmo que
este ser em formação ainda não seja considerado uma pessoa sujeita de direitos
no sentido lato, o aborto é criminalizado baseado em princípios de proteção da
vida intrauterina. No entanto, há a discussão entre estes princípios e os
princípios da liberdade individual, valorização da escolha da mulher em
interromper ou não a gravidez, e a maior de todas, como combater os efeitos dos
abortos clandestinos que causam muitas despesas ao sistema de saúde público e
privado devido a sequelas. Uma discussão extensa que, no entanto, será tratada
brevemente neste manuscrito.
2.
TIPO PENAL DO
ARTIGO 124
O artigo 124 do Código Penal de
1940 traz que: “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho
provoque: Pena – detenção, de um a três anos”.
Aqui o legislador visou proteger a
vida do feto tipificando a conduta materna de provocar o aborto em si mesma ou
consentir que outra pessoa lho provoque. Aqui, neste artigo está presente a
figura do aborto provocado, com a mulher, segundo Bitencourt (2012, p. 68).
Vale observar a possibilidade de
suspensão condicional do processo, presente no artigo 89 da Lei 9.099/95:
“Nos
crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas
ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá
propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não
esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes
os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77
do Código Penal)”.
3.
BEM JURÍDICO
TUTELADO
O bem jurídico tutelado, para Nucci
(2014, p.618), Bitencourt (2012, p. 69), Capez (2013, p.381), primordialmente,
o bem protegido pelo legislador é a vida intrauterina em formação.
4.
ELEMENTO SUBJETIVO
O elemento subjetivo é o dolo. O
crime não admite a modalidade culposa. Segundo Capez (2013, p.382), o dolo pode
ser direto ou eventual. Para ele, no tipo penal “não
se admite a modalidade culposa. A conduta do terceiro que, culposamente, dá
causa ao aborto, caracteriza o delito de lesão corporal culposa, em que a
vítima será a gestante”.
5.
FUNDAMENTOS
CONSTITUCIONAIS
Segundo
Capez (2013, p.380),
“O
direito à vida está previsto na Constituição Federal no rol de direitos e
garantias fundamentais (Capítulo I, art. 5º). O direito à vida é o direito de
não ter interrompido o processo vital, senão pela morte espontânea e
inevitável. “(...) São decorrências do direito de não ser morto (ou de
continuar vivo): a proibição da pena de morte (art. 5º, XLVII); b) proibição do
aborto; c) proibição da eutanásia; d) direito à legitima defesa (...)” (Chimenti
et al., Curso de direito constitucional, cit., p. 60)”.
6.
ABORTO VS.
HOMICÍDIO
Não
se pode confundir o aborto (art. 124) com o homicídio (art. 121) que é matar
alguém que já nasceu, e com o infanticídio (art.123) que é matar o próprio
filho sob estado puerperal. Segundo Bitencourt (2012, p. 536), a distinção
entre aborto e homicídio apresentam duas particularidades:
“[...]
uma em relação ao objeto da proteção legal e outra em relação ao estágio
da vida que se protege: relativamente ao objeto, não é a pessoa humana que
se protege, mas a sua formação embrionária; em relação ao aspecto
temporal, somente a vida intrauterina, ou seja, desde a concepção até
momentos antes do início do parto”.
7.
SUJEITOS DO CRIME
6.1.
Sujeito Ativo
Segundo
a doutrina em geral, por ser um crime de mão própria, isto é, só pode ser
praticado pela própria gestante, nas duas modalidades: provocar ou consentir
que alguém lho provoque aborto.
6.2.
Sujeito Passivo
Já o
sujeito passivo é o feto, que sofre diretamente com a intervenção da
progenitora ou da pessoa que interveio com consentimento da mesma para praticar
o aborto.
6.3.Consumação
Trata-se
de crime material. O crime se consuma com a interrupção da gravidez e morte do
feto.
7.
PARTICIPANTES DO CRIME
7.1.
Coautoria
O crime não admite coautoria por se
tratar de atos executórios. Estes estão previstos no art. 126, “provocar aborto
com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de um a quatro anos”.
7.2.
Participação em sentido estrito
Segundo Bitencourt (2012, p. 537),
“Como
qualquer crime de mão própria,
admite a participação, como
atividade acessória, quando o partícipe se limita a instigar, induzir ou
auxiliar a gestante tanto a praticar o autoaborto como a consentir que terceiro
lho provoque”.
7.3.Provocar
e consentir
Segundo Bitencourt (2012, p. 538),
“A
mulher que consente no aborto incidirá nas mesmas penas do autoaborto,
isto é, como se tivesse provocado o aborto em si mesma, nos termos do
art. 124 do CP. A mulher que consente no próprio aborto e, na sequência,
auxilia decisivamente nas manobras abortivas pratica um só crime, pois provocar
aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque é crime
de ação múltipla ou de conteúdo variado”.
8.
ABORTO CONSENTIDO
E A TEORIA MONISTA DA AÇÃO
Para
Bitencourt (2012, p. 538),
“A
segunda figura do art. 124 — consentir que lhe provoquem
o aborto — encerra dois crimes: um para a gestante que consente (art. 124), outro para o sujeito que provoca o
aborto (art. 126). Em relação à gestante que consente e ao autor que provoca materialmente
o crime de aborto consentido não se aplica o disposto no caput do art. 29 do CP”.
Por exceção
à teoria monística, Bitencourt ainda no mesmo trecho diz que
“Quem
provoca o aborto, com o consentimento da gestante, pratica o crime do art. 126 do mesmo estatuto e não o do art. 124.
Assim, por exemplo, o agente que leva a amásia à casa da parteira, contrata e
paga os seus serviços é autor do crime tipificado no art.126, enquanto a
amásia, que consentiu, incorre no art. 124. Enfim, o aborto consentido não admite coautoria
entre o terceiro e a gestante”.
9.
Provas
Em Capez (2013,
p.381),
“STJ: “No delito
capitulado no art. 124 do CP, para instauração da persecução penal, é
imprescindível a prova de sua materialidade. O ônus incumbe ao órgão acusador,
não sendo suficiente, para este mister, a simples confissão da acusada. Aborto,
diz a medicina, é interrupção da gravidez e, portanto, fundamental, essencial,
imprescindível o diagnóstico desta como meio de configuração da infração. 2.
Ordem concedida para trancar a ação penal” (STJ, 6ª T., Rel. Min. Fernando
Gonçalves, j. 7-11-2000, DJ 18-12-2000, p. 243). A prova pericial poderá
ser suprida pela prova testemunhal ou documental”.
10. TENTATIVA
Segundo Capez (2013, p. 382),
“É perfeitamente
admissível. Assim, se há o emprego de determinada manobra abortiva idônea a
provocar a morte do feto, e este perece em decorrência de outra causa
independente, responderá o agente pela forma tentada do delito em estudo.
Haverá igualmente a tentativa, e não crime impossível, na hipótese em que o
agente faz a gestante ingerir substância química em quantidade inidônea à
provocação do aborto (impropriedade relativa do meio empregado)”.
11. OUTRAS OBSERVAÇÕES FEITAS POR CAPEZ
a)
Concurso de
crimes: Se o agente eliminar a vida da gestante,
sabedor de seu estado, ou assumindo o risco da ocorrência do aborto, responderá
pelos crimes de homicídio e aborto em concurso formal. Haverá o concurso formal
impróprio se o agente estiver dotado de desígnios autônomos, ou seja, com uma
só ação ele quer dois resultados (o homicídio e o aborto).
b)
Agravante: Nos
delitos de aborto, não incide a agravante do art. 61, caput, do CP, qual seja,
a circunstância de a vítima encontrar-se grávida.
c)
Lei das Contravenções Penais: Contravenção penal: Constitui
contravenção penal, punível com multa, “anunciar processo, substância ou objeto
destinado a provocar aborto” (LCP, art. 20).
d)
Competência: No
delito de aborto, o juiz competente é o do local da conduta, e não o do lugar
da morte do feto (RJTJSP 122/565;
RT 524/358).
12. JURISPRUDÊNCIA (BITENCOURT – ADPF 54)
“ADPF — Adequação — Interrupção da gravidez —
Feto anencéfalo — Política judiciária — Macroprocesso. Tanto quanto possível,
há de ser dada sequência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei
Fundamental — como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da
liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade —,
considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques
diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a
arguição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF — liminar —
anencefalia — interrupção da gravidez — glosa penal — processos em curso —
suspensão. Pendente de julgamento a arguição de descumprimento de preceito
fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez
no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo
Tribunal Federal. ADPF — Liminar — Anencefalia — Interrupção da gravidez —
Glosa penal — Afastamento — Mitigação. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento
em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em arguição de descumprimento
de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal
relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no
caso de anencefalia” (STF, ADPFQO 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.
27-4-2005). “Pedido de autorização para a prática de aborto. Nascituro
acometido de anencefalia. Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses
autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito
nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta
é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se
lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo
Legislador. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto” (STJ,
HC 32.159/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 17-2-2004).
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
temática do aborto ainda não é uma discussão encerrada em âmbito nacional e
mundial. Existem projetos de lei atualmente tramitando e em discussão para
visando a viabilidade ou não da legalização do aborto no Brasil a serem
realizados por profissionais habilitados. Isso devido a ineficácia em se evitar
a prática e para se prevenir das consequências oriundas do aborto feito
inadequadamente, buscando diminuir o percentual de mulheres mortas em
procedimentos abortivos clandestinos. Por vários fatores, esta pauta ainda está
em andamento no poder legislativo, enquanto os abortos continuam acontecendo no
Brasil sem nenhuma fiscalização ou orientação.
14. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. R. (2012). Penal Comentado, 7ª
Edição. São Paulo: Saraiva.
BITENCOURT, C. R. (2012).
Tratado de Direito Penal - Parte Especial. Vol. 2. Dos crimes contra a
pessoa. São Paulo: Saraiva.
BRASIL. (s.d.). CÓDIGO
PENAL: DECRETO-LEI N. 2.848. Acesso em 22 de Julho de 2014, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
BRASIL. (s.d.). CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Acesso em 22 de 07 de 2014,
disponível em BRASIL:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
CAPEZ, F. (2013). Código
Penal Comentado. São Paulo: Saraiva.
NUCCI, G. d. (2014). Código
Penal Comentado. 14ª Edição. Rio de Janeiro: Forense.
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