terça-feira, 22 de março de 2016

ANÁLISE DO ARTIGO 133 E 134 DO CÓDIGO PENAL: ABANDONO DE INCAPAZ E DE RECÉM-NASCIDO

1.      INTRODUÇÃO
Tendo em vista a responsabilidade que alguém venha a assumir ou que tenha legalmente este pode ter sua conduta delitiva, quando abandona esta pessoa sob seus cuidados tipificada no artigo 133 do Código Penal quando incapaz, e 134, quando recém-nascido.
Abaixo listo os dispositivos:
Abandono de incapaz
Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defenderse dos riscos resultantes do abandono:
Pena – detenção, de seis meses a três anos.
§ 1o Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 2o Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
I – se o abandono ocorre em lugar ermo;
II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima;
III – se a vítima é maior de sessenta anos.
Exposição ou abandono de recém-nascido
Art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – detenção, de um a três anos.
§ 2o Se resulta a morte:
Pena – detenção, de dois a seis anos.
2.      ABANDONO DE INCAPAZ (ARTIGO 133)
2.1. Bem jurídico tutelado
Aqui a intenção do legislador foi proteger a segurança do sujeito dependente de vigilância por não conseguir responsabilizar-se pelos próprios atos e consequências que estes podem lhe causar. A ação consiste no verbo abandonar, isto é, desamparar, deixar o sujeito sob seus cuidados a própria sorte. A conduta pode ocorrer por ação ou omissão, mas necessita que ocorra um risco concreto e real para a vida e saúde do sujeito abandonado. Bom frisar também que é irrelevante o consentimento do ofendido no caso deste tipo penal, pelo simples fato do ofendido ser incapaz de consentir.
Segundo Bitencourt (2012, p.591),
A figura descrita no caput do art. 133 é crime de perigo concreto, pois é o próprio núcleo típico — abandonar — que exige que o risco seja efetivo, real, concreto. As figuras preterdolosas ou qualificadas pelo resultado, no entanto, recepcionadas nos §§ 1º e 2º, são crimes de dano, para aqueles que sustentam a vigência desses parágrafos, mesmo depois da reforma penal de 1984.
2.2. Sujeito Ativo
É considerado crime próprio. Isto é, só pode ser cometido por aquele que seja responsável pela segurança de outrem que seja incapaz. É clarividente a condição do “dever de assistência”.
2.3.Sujeito Passivo
Seguindo Bitencourt (2012, p. 591),
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que se encontre numa das relações antes referidas, e não somente o menor. Exige-se do sujeito passivo a presença simultânea de dois requisitos fundamentais: a) incapacidade; b) relação de assistência com o sujeito ativo.
Bom frisar ainda, que é necessária a incapacidade do sujeito passivo se defender do abandono.
2.4. Elemento subjetivo do tipo
Para Nucci (2014, p. 650),
Exige-se dolo de perigo. Não cremos haver, no tipo, nenhuma menção ao elemento subjetivo específico ou dolo específico, vale dizer, a especial intenção de colocar em perigo – como defendem alguns –, pois o pai que abandona o filho para dar-lhe um corretivo, mesmo que não tenha a intenção de colocá-lo em perigo, efetivamente o faz, merecendo responder pelo crime.
Para Capez, (2013, p.418) o dolo de perigo pode ser direto ou eventual. “Se houver animus necandi, haverá o crime de homicídio tentado (ou, na ocorrência de morte, consumado)”.
2.5. Momento Consumativo
O crime se consuma no momento em que ocorre o abandono do incapaz sob as responsabilidades de alguém.
Para Bitencourt (2012, p. 594),
É indispensável que fique demonstrado que a vítima efetivamente ficou exposta a perigo, pois o perigo abstrato ou meramente presumido não tipifica este crime. A eventual superveniência de dano não é abrangida pelo dolo, sob pena de configurar outra infração penal.
2.6. Tentativa
Para Bitencourt, Nucci e Capez, é perfeitamente possível a tentativa na modalidade comissiva deste crime. Bitencourt cita o exemplo de uma mãe que ao buscar o intento de abandonar seu filho, é impedida de concretizar o ato, configurando, mesmo que de grande dificuldade, a tentativa. Ele cita também alguns critérios que retiram a tipicidade do artigo, sendo eles:
·         Fuga de Incapaz: quando o mesmo foge da guarda, vigilância, autoridade de seu responsável. Aqui se desconfigura o crime, pois não há conduta por parte do responsável;
·         Espreita do agente: quando o agente se oculta, mas ainda está observando a pessoa sob seus cuidados. Neste caso não há perigo concreto;
2.7. Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz
Incompatível com o tipo por ser um crime de perigo.
2.8. Forma Culposa
Não há forma culposa para este crime.
2.9.Definições de cuidado, guarda, vigilância, autoridade e incapacidade
Com Nucci (2014, p.650-651) temos, literalmente, que:
·         Cuidado: representa condutas que demandam atenção, zelo, cautela. É a figura mais ampla das quatro previstas. Ex.: a pessoa que está enferma não pode ser abandonada, pois está momentaneamente incapacitada. Assim fazendo o agente, configurado está o delito previsto neste artigo.
·         Guarda: trata-se de um nível mais intenso de cuidado, pois exige proteção, amparo e vigilância. É figura destinada à proteção de pessoas que necessitam receber mais do que mera atenção ou zelo, pois demandam abrigo do agente. Ex.: o filho pequeno não pode deixar de receber proteção, pois seu estado de incapacidade é permanente, durante a fase infantil.
·         Vigilância: é uma figura sinônima de cuidado, que está abrangida pela guarda. Reserva-se este termo do tipo penal para as vítimas que são capazes, em regra, embora, por estarem em situações excepcionais, podem tornar-se incapazes de se defender. Ex.: um guia turístico tem o dever de vigiar os turistas sob sua responsabilidade num país estrangeiro, de língua e costumes totalmente estranhos, além de poder possuir este locais de particular periculosidade.
·         Autoridade: é o vínculo que se estabelece, legalmente, entre uma pessoa que tem o direito de dar ordens a outra, de modo que dessa relação defluem os deveres de cuidado, guarda ou vigilância, conforme o caso. Ex.: se o sargento convoca a tropa para uma missão secreta num cenário hostil e perigoso, tem o dever de não abandonar os soldados, não conhecedores do lugar, que para ali foram exclusivamente atendendo a um comando.
·         Incapacidade: não se trata de um conceito jurídico, mas real. Portanto, deve-se considerar qualquer indivíduo que, em determinada situação, esteja incapacitado para defender-se, ainda que seja maior, física e mentalmente sadio, sem qualquer tipo de enfermidade permanente.

2.10.                   Qualificadoras
Os parágrafos 1º e 2º do artigo são crimes preterdolosos, “cujos resultados mais graves devem ser, no mínimo, provenientes de culpa (art. 19).” (Bitencourt, 2012, p. 595).
2.11.                   Casos de Aumento de Pena
O tipo prevê três formas de aumento de pena:
a)      Se o abandono ocorrer em lugar ermo: lugar ermo é um local isolado, inabitado, longe do conhecimento da vítima, de difícil localização, não frequentado, etc.
b)     Se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima: “A incidência dessa majorante afasta a agravante genérica prevista no art. 61, II, e, sob pena de ocorrência de bis in idem” (Capez, 2013, p.418).
c)      Se a vítima é maior de sessenta anos: mesmo caso da letra b) que representa o inciso II do tipo penal.
2.12.                   Estatuto do Idoso
Com Capez (2013, p. 419),
A conduta consistente em abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado, configura crime previsto no art. 98 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 1º-10-2003), punido com pena de detenção de 6 meses a 3 anos e multa. Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, não se lhe aplicando os arts. 181 e 182 do CP (cf. art. 95 do Estatuto).
2.13.                   Ação Penal
Ainda com Capez (idem, ibdem),
Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada. É cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95): (a) no caput do art. 133, ainda que incida a causa de aumento do § 3º; b) no § 1º do art. 133, sem a causa de aumento de pena prevista no § 3º.
3.      ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO (ARTIGO 134)
3.1.Bem jurídico tutelado
Aqui o bem jurídico preservado é a incolumidade do recém-nascido.
3.2.Sujeito Ativo
Para Bitencourt (2012, p.598)
O sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido somente pode ser a mãe (crime próprio), visto que objetiva ocultar desonra própria. É indiferente que se trate de viúva ou adúltera, como sustentava a antiga doutrina.
Mãe solteira
Admite-se a própria mulher solteira, especialmente em casos de gravidez cada vez mais precoce, que vêm acontecendo inclusive com pré-adolescentes. As adolescentes e pré-adolescentes são excluídas pela inimputabilidade, mas deverão receber a “proteção” do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mulher honrada
É indispensável que se trate de mulher honrada, cujo conceito social possa ser abalado pela prova de uma concepção aviltante, caso contrário não haveria honra alguma para ocultar. Não excluímos, a priori, a “prostituta” da possibilidade de também figurar como sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido, para ocultar desonra própria.
Pai incestuoso ou adúltero
Damásio de Jesus, Heleno Fragoso e Nélson Hungria, entre outros, admitem que o pai incestuoso ou adúltero também poderia praticar o crime. Aníbal Bruno, contrariamente, não estendia essa “legitimidade” ao pai, em qualquer circunstância. Era razoável o entendimento dominante, nos idos do início da década de quarenta.
Rigidez moral e união estável
A rigidez moral no advento do século XXI não é a mesma das primeiras décadas do século XX, quando qualquer mulher que desse à luz extramatrimonium era “excomungada” da sociedade civil. Já não se fala mais em união conjugal, mas em união estável, não se mantêm mais “amantes”, mas “namorados casados”, e a própria legislação civil excluiu a distinção entre filiação legítima e ilegítima.
Pai incestuoso ou adúltero: abandono de incapaz
Não concordamos com a extensão do privilegium exceptum a eventual pai adúltero ou incestuoso. O pai adúltero, incestuoso ou, a qualquer título, “imoral” que expuser ou abandonar seu filho recém-nascido responderá pelo crime do art. 133, como abandono de incapaz, sem qualquer privilégio.
Marido da mulher infiel
O marido da mulher infiel que abandonar o recém-nascido adulterino tampouco gozará do privilégio. Essa exclusão se fundamenta, basicamente, no fato de que se trata de crime próprio, e, à semelhança do infanticídio, somente a mãe pode ser sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido.
3.3.Sujeito Passivo
O sujeito passivo, obviamente é o recém-nascido. Contudo, não há uma exatidão doutrinária ao considerar qual o espaço temporal relativo ao estado de recém-nascido.
3.4. Elemento subjetivo do tipo
Para Capez (2013, p.
É o dolo direto de perigo, acrescido do fim especial de agir “ocultar desonra  própria”. Não se admite o dolo eventual. Se houver a vontade de eliminar a vida do recém-nascido ou de lesioná-lo, haverá os crimes de homicídio (ou infanticídio, se presentes os requisitos legais) ou lesão corporal dolosa. O abandono culposo poderá configurar os crimes de homicídio ou lesão corporal culposa, caso ocorra um desses resultados.
3.5.Momento Consumativo
Para Capez (2013, p. 420),
Consuma-se o abandono, desde que resulte perigo concreto para o recém-nascido. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes. Nada impede, entretanto, que no caso incida o instituto do arrependimento posterior (CP, art. 16).
3.6. Tentativa
Somente se admite na modalidade comissiva do crime.
3.7. Qualquer outra finalidade: atipicidade
Em Bitencourt (2012, p. 600),
Se a causa do abandono do recém-nascido for qualquer outra que não a ocultação de desonra própria, o crime poderá ser o abandono de incapaz (art. 133).
Dolo eventual: improvável
O dolo, a nosso juízo, dificilmente poderá ser eventual. A exigência típica de um fim especial dificulta, tornando quase impossível, a configuração de dolo eventual.

3.8. Forma Culposa
Não cabe.
3.9.Qualificadora
Para Capez (2013, p. 420),
A forma qualificada encontra-se prevista nos §§ 1º e 2º do art.134. São elas: (a) se do fato resulta lesão corporal de natureza grave (pena – detenção, de 1 a 3 anos); (b) se resulta morte (pena – detenção, de 2 a 6 anos). Cuida-se aqui dos crimes qualificados pelo resultado na modalidade preterdolo. Os resultados agravadores são punidos somente a título de culpa, do contrário, poderemos estar diante de um crime de dano (lesão corporal, homicídio, infanticídio).
3.10.                   Ação Penal – Lei dos Juizados Especiais Criminais
Para Capez (2013, p.420),
Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada. O crime na forma simples (caput) constitui infração de menor potencial ofensivo (cf. Lei n. 10.259, de 12-7-2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, e art. 61 da Lei n. 9.099/95, com a redação determinada pela Lei n. 11.313, de 28-6-2006). Em face das penas previstas no caput (detenção, de 6 meses a 2 anos) e no § 1º (detenção, de 1 a 3 anos), é cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95).
4.      REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. R. (2012). Penal Comentado, 7ª Edição. São Paulo: Saraiva.
BRASIL. (s.d.). CÓDIGO PENAL: DECRETO-LEI N. 2.848. Acesso em 22 de Julho de 2014, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
CAPEZ, F. (2013). Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva.
NUCCI, G. d. (2014). Código Penal Comentado. 14ª Edição. Rio de Janeiro: Forense.

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