1. INTRODUÇÃO
Tendo em vista a
responsabilidade que alguém venha a assumir ou que tenha legalmente este pode
ter sua conduta delitiva, quando abandona esta pessoa sob seus cuidados
tipificada no artigo 133 do Código Penal quando incapaz, e 134, quando
recém-nascido.
Abaixo listo os dispositivos:
Abandono de incapaz
Art. 133. Abandonar pessoa
que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer
motivo, incapaz de defender‑se dos riscos
resultantes do abandono:
Pena – detenção, de seis meses a três
anos.
§ 1o Se do abandono resulta lesão corporal
de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 2o Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
I – se o abandono ocorre em lugar ermo;
II – se o agente é ascendente ou
descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima;
III – se a vítima é maior de sessenta
anos.
Exposição ou abandono de recém-nascido
Art. 134. Expor ou abandonar
recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena – detenção, de seis meses a dois
anos.
§ 1o Se do fato resulta lesão corporal de
natureza grave:
Pena – detenção, de um a três anos.
§ 2o Se resulta a morte:
Pena – detenção, de dois a seis anos.
2. ABANDONO
DE INCAPAZ (ARTIGO 133)
2.1.
Bem jurídico tutelado
Aqui a intenção do
legislador foi proteger a segurança do sujeito dependente de vigilância por não
conseguir responsabilizar-se pelos próprios atos e consequências que estes
podem lhe causar. A ação consiste no verbo abandonar, isto é, desamparar, deixar
o sujeito sob seus cuidados a própria sorte. A conduta pode ocorrer por ação ou
omissão, mas necessita que ocorra um risco concreto e real para a vida e saúde
do sujeito abandonado. Bom frisar também que é irrelevante o consentimento do
ofendido no caso deste tipo penal, pelo simples fato do ofendido ser incapaz de
consentir.
Segundo Bitencourt
(2012, p.591),
A
figura descrita no caput do art. 133 é crime de perigo concreto, pois é
o próprio núcleo típico — abandonar — que exige que o risco seja
efetivo, real, concreto. As figuras preterdolosas ou qualificadas pelo
resultado, no entanto, recepcionadas nos §§ 1º e 2º, são crimes de dano,
para aqueles que sustentam a vigência desses parágrafos, mesmo depois da
reforma penal de 1984.
2.2.
Sujeito Ativo
É considerado crime
próprio. Isto é, só pode ser cometido por aquele que seja responsável pela
segurança de outrem que seja incapaz. É clarividente a condição do “dever de
assistência”.
2.3.Sujeito
Passivo
Seguindo Bitencourt (2012, p. 591),
Sujeito passivo pode ser qualquer
pessoa que se encontre numa das relações antes
referidas, e não somente o menor. Exige-se
do sujeito passivo a presença simultânea de dois requisitos fundamentais: a)
incapacidade; b) relação de assistência com o sujeito ativo.
Bom
frisar ainda, que é necessária a incapacidade do sujeito passivo se defender do
abandono.
2.4. Elemento subjetivo do
tipo
Para Nucci (2014, p. 650),
Exige-se dolo de perigo. Não cremos haver, no tipo,
nenhuma menção ao elemento subjetivo específico ou dolo específico, vale dizer,
a especial intenção de colocar em perigo – como defendem alguns –, pois
o pai que abandona o filho para dar-lhe um corretivo, mesmo que não tenha a
intenção de colocá-lo em perigo, efetivamente o faz, merecendo responder pelo
crime.
Para
Capez, (2013, p.418) o dolo de perigo pode ser direto ou eventual. “Se
houver animus necandi, haverá o crime de homicídio tentado (ou, na
ocorrência de morte, consumado)”.
2.5. Momento Consumativo
O
crime se consuma no momento em que ocorre o abandono do incapaz sob as responsabilidades
de alguém.
Para
Bitencourt (2012, p. 594),
É
indispensável que fique demonstrado que a vítima efetivamente ficou exposta a
perigo, pois o perigo abstrato ou meramente presumido não tipifica este crime.
A eventual superveniência de dano não é abrangida pelo dolo, sob pena de
configurar outra infração penal.
2.6.
Tentativa
Para Bitencourt,
Nucci e Capez, é perfeitamente possível a tentativa na modalidade comissiva
deste crime. Bitencourt cita o exemplo de uma mãe que ao buscar o intento de
abandonar seu filho, é impedida de concretizar o ato, configurando, mesmo que
de grande dificuldade, a tentativa. Ele cita também alguns critérios que
retiram a tipicidade do artigo, sendo eles:
·
Fuga
de Incapaz: quando
o mesmo foge da guarda, vigilância, autoridade de seu responsável. Aqui se
desconfigura o crime, pois não há conduta por parte do responsável;
·
Espreita
do agente: quando
o agente se oculta, mas ainda está observando a pessoa sob seus cuidados. Neste
caso não há perigo concreto;
2.7.
Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz
Incompatível com o
tipo por ser um crime de perigo.
2.8.
Forma Culposa
Não há forma culposa
para este crime.
2.9.Definições
de cuidado, guarda, vigilância, autoridade e incapacidade
Com Nucci (2014, p.650-651) temos,
literalmente, que:
·
Cuidado: representa condutas que demandam atenção,
zelo, cautela. É a figura mais ampla das quatro previstas. Ex.: a pessoa que
está enferma não pode ser abandonada, pois está momentaneamente incapacitada.
Assim fazendo o agente, configurado está o delito previsto neste artigo.
·
Guarda: trata-se de um nível mais intenso de
cuidado, pois exige proteção, amparo e vigilância. É figura destinada à
proteção de pessoas que necessitam receber mais do que mera atenção ou zelo,
pois demandam abrigo do agente. Ex.: o filho pequeno não pode deixar de receber
proteção, pois seu estado de incapacidade é permanente, durante a fase
infantil.
·
Vigilância: é uma figura sinônima de cuidado, que está
abrangida pela guarda. Reserva-se este termo do tipo penal para as vítimas que
são capazes, em regra, embora, por estarem em situações excepcionais, podem
tornar-se incapazes de se defender. Ex.: um guia turístico tem o dever de
vigiar os turistas sob sua responsabilidade num país estrangeiro, de língua e
costumes totalmente estranhos, além de poder possuir este locais de particular
periculosidade.
·
Autoridade: é o vínculo que se estabelece, legalmente,
entre uma pessoa que tem o direito de dar ordens a outra, de modo que dessa
relação defluem os deveres de cuidado, guarda ou vigilância, conforme o caso.
Ex.: se o sargento convoca a tropa para uma missão secreta num cenário hostil e
perigoso, tem o dever de não abandonar os soldados, não conhecedores do lugar,
que para ali foram exclusivamente atendendo a um comando.
·
Incapacidade: não se trata de um conceito jurídico, mas
real. Portanto, deve-se considerar qualquer indivíduo que, em determinada
situação, esteja incapacitado para defender-se, ainda que seja maior, física e
mentalmente sadio, sem qualquer tipo de enfermidade permanente.
2.10.
Qualificadoras
Os
parágrafos 1º e 2º do artigo são crimes preterdolosos, “cujos resultados mais graves devem ser, no mínimo, provenientes de
culpa (art. 19).” (Bitencourt, 2012, p. 595).
2.11.
Casos de Aumento
de Pena
O
tipo prevê três formas de aumento de pena:
a) Se o abandono
ocorrer em lugar ermo: lugar ermo é um local isolado, inabitado, longe do
conhecimento da vítima, de difícil localização, não frequentado, etc.
b) Se o agente é ascendente ou descendente,
cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima: “A
incidência dessa majorante afasta a agravante genérica prevista no art. 61, II,
e, sob pena de ocorrência de bis in idem” (Capez, 2013, p.418).
c)
Se a vítima é maior de sessenta anos: mesmo caso da
letra b) que representa o inciso II do tipo penal.
2.12.
Estatuto do Idoso
Com Capez (2013, p. 419),
A conduta consistente
em abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa
permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado
por lei ou mandado, configura crime previsto no art. 98 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741, de 1º-10-2003), punido com pena de detenção de 6 meses a 3 anos
e multa. Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, não se lhe
aplicando os arts. 181 e 182 do CP (cf. art. 95 do Estatuto).
2.13.
Ação Penal
Ainda
com Capez (idem, ibdem),
Trata-se de crime de
ação penal pública incondicionada. É cabível a suspensão condicional do
processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95): (a) no caput do art. 133, ainda que
incida a causa de aumento do § 3º; b) no § 1º do art. 133, sem a causa de
aumento de pena prevista no § 3º.
3.
ABANDONO
DE RECÉM-NASCIDO (ARTIGO 134)
3.1.Bem
jurídico tutelado
Aqui o bem jurídico
preservado é a incolumidade do recém-nascido.
3.2.Sujeito
Ativo
Para Bitencourt
(2012, p.598)
O sujeito
ativo do crime de abandono de recém-nascido somente pode ser a mãe (crime
próprio), visto que objetiva ocultar desonra própria. É indiferente que
se trate de viúva ou adúltera, como sustentava a antiga doutrina.
Mãe solteira
Admite-se
a própria mulher solteira, especialmente em casos de gravidez cada vez mais
precoce, que vêm acontecendo inclusive com pré-adolescentes. As adolescentes e pré-adolescentes
são excluídas pela inimputabilidade, mas deverão receber a “proteção” do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mulher honrada
É
indispensável que se trate de mulher honrada, cujo conceito social possa
ser abalado pela prova de uma concepção aviltante, caso contrário não
haveria honra alguma para ocultar. Não excluímos, a priori, a
“prostituta” da possibilidade de também figurar como sujeito ativo do crime
de abandono de recém-nascido, para ocultar desonra própria.
Pai incestuoso ou adúltero
Damásio de
Jesus, Heleno Fragoso e Nélson Hungria, entre outros, admitem que o pai incestuoso
ou adúltero também poderia praticar o crime. Aníbal Bruno,
contrariamente, não estendia essa “legitimidade” ao pai, em qualquer
circunstância. Era razoável o entendimento dominante, nos idos do início da
década de quarenta.
Rigidez moral e união estável
A rigidez
moral no advento do século XXI não é a mesma das primeiras décadas do século
XX, quando qualquer mulher que desse à luz extramatrimonium era
“excomungada” da sociedade civil. Já não se fala mais em união conjugal, mas em
união estável, não se mantêm mais “amantes”, mas “namorados casados”, e
a própria legislação civil excluiu a distinção entre filiação legítima e
ilegítima.
Pai incestuoso ou adúltero: abandono de
incapaz
Não
concordamos com a extensão do privilegium exceptum a eventual pai
adúltero ou incestuoso. O pai adúltero, incestuoso ou, a qualquer título,
“imoral” que expuser ou abandonar seu filho recém-nascido responderá pelo crime
do art. 133, como abandono de incapaz, sem qualquer privilégio.
Marido da mulher infiel
O marido
da mulher infiel que abandonar o recém-nascido adulterino tampouco gozará do
privilégio. Essa exclusão se fundamenta, basicamente, no fato de que se trata
de crime próprio, e, à semelhança do infanticídio, somente a mãe pode
ser sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido.
3.3.Sujeito
Passivo
O sujeito passivo,
obviamente é o recém-nascido. Contudo, não há uma exatidão doutrinária ao
considerar qual o espaço temporal relativo ao estado de recém-nascido.
3.4.
Elemento
subjetivo do tipo
Para
Capez (2013, p.
É o dolo direto de
perigo, acrescido do fim especial de agir “ocultar desonra própria”. Não se admite o dolo eventual. Se
houver a vontade de eliminar a vida do recém-nascido ou de lesioná-lo, haverá
os crimes de homicídio (ou infanticídio, se presentes os requisitos legais) ou lesão
corporal dolosa. O abandono culposo poderá configurar os crimes de homicídio ou
lesão corporal culposa, caso ocorra um desses resultados.
3.5.Momento Consumativo
Para
Capez (2013, p. 420),
Consuma-se o abandono, desde que resulte perigo concreto para o
recém-nascido. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes. Nada
impede, entretanto, que no caso incida o instituto do arrependimento posterior (CP,
art. 16).
3.6.
Tentativa
Somente
se admite na modalidade comissiva do crime.
3.7. Qualquer outra
finalidade: atipicidade
Em
Bitencourt (2012, p. 600),
Se a causa do abandono do recém-nascido for qualquer outra que não a ocultação de
desonra própria, o crime poderá ser o abandono de incapaz (art. 133).
Dolo eventual: improvável
O dolo, a
nosso juízo, dificilmente poderá ser eventual. A exigência típica de um fim especial dificulta, tornando quase impossível, a configuração de dolo eventual.
3.8. Forma
Culposa
Não cabe.
3.9.Qualificadora
Para Capez (2013, p. 420),
A forma qualificada encontra-se
prevista nos §§ 1º e 2º do art.134. São elas: (a) se do fato resulta lesão
corporal de natureza grave (pena – detenção, de 1 a 3 anos); (b) se resulta
morte (pena – detenção, de 2 a 6 anos). Cuida-se aqui dos crimes qualificados
pelo resultado na modalidade preterdolo. Os resultados agravadores são punidos
somente a título de culpa, do contrário, poderemos estar diante de um crime de
dano (lesão corporal, homicídio, infanticídio).
3.10.
Ação Penal – Lei
dos Juizados Especiais Criminais
Para Capez (2013, p.420),
Trata-se de crime de
ação penal pública incondicionada. O crime na forma simples (caput) constitui
infração de menor potencial ofensivo (cf. Lei n. 10.259, de 12-7-2001, que instituiu
os Juizados Especiais Federais, e art. 61 da Lei n. 9.099/95, com a redação determinada
pela Lei n. 11.313, de 28-6-2006). Em face das penas previstas no caput (detenção,
de 6 meses a 2 anos) e no § 1º (detenção, de 1 a 3 anos), é cabível a suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95).
4. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. R. (2012). Penal Comentado, 7ª
Edição. São Paulo: Saraiva.
BRASIL.
(s.d.). CÓDIGO PENAL: DECRETO-LEI N. 2.848. Acesso em 22 de Julho de
2014, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
CAPEZ,
F. (2013). Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva.
NUCCI,
G. d. (2014). Código Penal Comentado. 14ª Edição. Rio de Janeiro:
Forense.
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