1.
SEQUESTRO
E CÁRCERE PRIVADO
1.1.Dispositivo
Sequestro e cárcere privado
Art. 148. Privar
alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena – reclusão,
de um a três anos.
§ 1º A pena é de
reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é
ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de sessenta
anos;
II – se o crime é
praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
III – se a
privação da liberdade dura mais de quinze dias;
IV – se o crime é
praticado contra menor de dezoito anos;
V – se o crime é
praticado com fins libidinosos.
§ 2º Se resulta à
vítima, em razão de maus‑tratos ou da natureza da detenção, grave
sofrimento físico ou moral:
Pena – reclusão, de
dois a oito anos.
1.2.
Fundamento Constitucional
Segundo Siqueira (2007), o artigo 148 que trata do
impedimento da liberdade de locomoção encontra guarida constitucional no artigo
5º, inciso XV, da Carta Magna de 1988, em que dita que “é
livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
1.3.
Análise do Núcleo do Tipo
Suscintamente, o tipo penal trata da liberdade de locomoção de uma
pessoa. Privar, segundo o Dicionário Online Michaelis (2015) significa “Recusar ou tirar (alguma coisa) a; desapossar, despojar: Privar alguém de alguma coisa, de alguma vantagem. 2 Impedir(-se) de ter a posse ou gozo de alguma coisa ou de algum bem”. Suscintamente, concordando com Capez (2013), “Tutela-se a liberdade física do sujeito passivo, notadamente a liberdade de locomoção”.
1.4. Ação Nuclear
Segundo Capez
(2013),
A
privação da liberdade pode dar-se mediante detenção (levar a vítima para
outra casa e prendê-la em um quarto) ou retenção (impedir que a vítima
saia de casa). Diversos meios podem ser empregados para lograr a privação da
liberdade do ofendido (emprego de substâncias entorpecentes, fraude, ameaça,
não conceder autorização para liberação de enfermo etc.).
1.4.1. SITUAÇÃO DE PERMANÊNCIA
Segundo
Nucci (2014),
A privação da
liberdade de alguém, mediante sequestro oucárcere privado, exige permanência,
isto é, deve perdurar no tempo por lapso razoável. Tanto assim que o crime é
permanente, aquele cuja consumação se prolonga no tempo. Uma conduta
instantânea de impedir que alguém faça alguma coisa que a lei lhe autoriza
concretizar, segurando-a por alguns minutos, configura o delito de
constrangimento ilegal. O fato de se exigir uma situação de permanência não
significa que, para a consumação do crime do art. 148, haja necessidade de
muito tempo. O importante é detectar a intenção do agente para a tipificação do
delito correto: se o autor age com a intenção de reter a vítima por pouco tempo
para que não pratique determinado ato, é constrangimento ilegal; se atua com a
vontade de reter a vítima para cercear-lhe a liberdade de locomoção, é
sequestro; se atua com a intenção de privar-lhe a liberdade para exigir alguma
vantagem, trata-se de extorsão mediante sequestro.
1.5.
Sujeitos Ativo e Passivo
De forma geral há consenso que qualquer pessoa pode
cometer e sofrer esse crime do artigo 148 do Código Penal.
1.6.
Elemento Subjetivo do Tipo
Segundo
Capez (2013), “consubstancia-se no dolo, isto é, na vontade livre e consciente
de privar a vítima de sua liberdade de locomoção. O erro de tipo exclui o dolo
e, portanto, o crime”. Isso porque não está prevista a conduta culposa no
Códice.
1.7. Subsidiariedade
Segundo
Capez (2013), “o sequestro é um crime subsidiário, de forma que, tendo o agente
uma finalidade específica, o crime poderá ser outro (arts. 159, 249, 345
etc.)”.
1.8. Sequestro e Cárcere Privado
Concordando
com Nucci (2014),
Sequestrar
significa tolher a liberdade de alguém ou reter uma pessoa indevidamente em
algum lugar, prejudicando-lhe a liberdade de ir e vir. É a conduta gênero, da
qual é espécie o cárcere privado. Manter alguém em cárcere privado é o
mesmo que encerrar a pessoa em uma prisão ou cela – recinto fechado, sem
amplitude de locomoção –, portanto de significado mais restrito que o primeiro.
Cremos que a simples menção a sequestro já era suficiente, dispensando-se o
cárcere privado, que está inserido no primeiro contexto.
1.9.
Objeto Material
É quem sofre a conduta.
1.10.
Bem Jurídico tutelado
A tutela é sobre
a liberdade de ir e vir.
1.11.
Classificação
Seguindo
Nucci (2014):
·
Crime comum (aquele que não demanda
sujeito ativo qualificado ou especial);
·
Material (delito que exige resultado
naturalístico, consistente na privação da liberdade da vítima) mas formal
(crime que não necessita alcançar a finalidade pretendida pelo agente para consumar-se)
na modalidade qualificada do inciso V do § 1.º; de forma livre (podendo ser
cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo ou omissivo, conforme
o caso; permanente (cujo resultado se prolonga no tempo, enquanto a liberdade
estiver sendo cerceada);
·
Unissubjetivo (que pode ser praticado por
um só agente);
·
Plurissubsistente, como regra, mas não
afastando a possibilidade de ser cometido por um único ato (unissubsistente),
na forma omissiva de não autorizar a soltura de quem legalmente merece; admite
tentativa, na forma comissiva, embora de difícil configuração. Pouco tempo de
privação de liberdade é suficiente para a configuração do tipo penal.
·
Admite tentativa, mesmo que de difícil
configuração;
·
Crime permanente. Prisão em flagrante: Autoriza-se a prisão em flagrante do agente enquanto
perdurar a privação ou restrição da liberdade de movimento da vítima. Nesse sentido: STJ, HC 17611/SP, 5ª
T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 27-11-2001, DJ 25-2-2002, p. 417. (Capez, 2013).
1.12.
Consentimento do Ofendido
Para
Bitencourt (2011),
Consentimento da vítima: justificante
supralegal
O consentimento da
vítima, desde que validamente manifestado, exclui o
crime, como tivemos oportunidade de afirmar: “o consentimento do titular de um
bem jurídico disponível afasta a contrariedade à norma jurídica, ainda que
eventualmente a conduta
consentida se adeque a um modelo abstrato de proibição.
Nesse caso, o consentimento
opera como causa justificante supralegal, afastando a proibição da conduta”.
Consentimento da vítima: extensão restrita
Contudo,
tratando-se de bem jurídico tão elementar como é o direito de liberdade, convém
destacar que o efeito excludente do consentimento da vítima não goza de um absolutismo pleno, capaz de legitimar toda e qualquer supressão da liberdade do
indivíduo. O consentimento
não terá valor se violar princípios
fundamentais de Direito
Público ou,
de alguma forma, ferir a dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, “tempo de privação de liberdade (perpétua ou por
muito tempo) ou o modo de sua supressão (p. ex., ligado o indivíduo a cadeias,
encerrado em lugar malsão etc.) ou o objetivo (prestação servil ou de qualquer
modo ilícita)”.
1.13.
Tipos Qualificados
Segundo Nucci (2014), “as
hipóteses retratadas nos §§ 1.º e 2.º constituem qualificadoras, pois alteram o
mínimo e o máximo para a fixação da pena, demonstrando maior reprovabilidade
nessas condutas”.
1.13.1. RELAÇÕES FAMILIARES
Segundo Nucci (2014),
Em várias oportunidades e conforme o tipo
penal, quis o legislador aplicar pena mais grave ao agente que pratica crime
contra seus familiares, uma vez que entre estes
deve haver o dever de mútua assistência e
amparo, jamais o cometimento de delitos (vide art. 61, II, e, CP). O
parentesco pode ser natural ou civil, pois a lei não faz distinção.
Descarta-se, entretanto, a relação de afinidade, como as figuras do pai de
criação e afins de um modo geral. Não se aceita, também, pelo princípio da
legalidade estrita que vige em Direito Penal, qualquer inclusão de concubinos
ou companheiros.
1.13.1.1. União Estável
Segundo
Nucci (2014)
Ampliando os
direitos inerentes à família constituída pela união estável, constitucionalmente
tutelada (art. 226, § 3.º), a Lei 11.106/2005 inseriu, dentre as possibilidades
de agravamento da pena, a prática do delito contra companheiro ou companheira,
o que é natural, pois já se encontravam, no contexto do sequestro ou cárcere
privado qualificado, o ascendente, o descendente e o cônjuge.
1.13.2. OFENDIDO IDOSO
Segundo Nucci
(2014),
Conferiu-se
mais severa punição ao agente de crime contra pessoa maior de 60 anos a partir
da edição da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). A medida é salutar, pois, lamentavelmente,
não são poucos os casos de idosos confinados em cárcere privado por parentes ou
mesmo estranhos, justamente porque são mais frágeis, defendendo-se com
precariedade.
1.13.3. OFENDIDO MENOR DE 18 ANOS
Segundo Nucci (2014),
Finalmente,
deve-se salientar um acerto do legislador, que inseriu, dentre as hipóteses de
qualificação do delito, ser a vítima menor de 18 anos, portanto, adolescente ou criança. Há situações legais
em que tal proteção, merecedora de existir, pois se cuida de pessoa ainda em
formação física e mental, é voltada somente à criança – e não ao adolescente
(como ocorre com o art. 61, II, h, CP); noutros casos, trata-se somente
de parte da adolescência (como acontece com o art. 121, § 4.º, cujo aumento de
pena se dá quando o homicídio é cometido contra menor de 14 anos. Vide nota 47
ao art. 121).
1.13.3.1. Confronto com o art. 230 da Lei 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente)
Segundo
Nucci (2014),
Estabelece
o referido art. 230: “Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo
à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem
escrita da autoridade judiciária competente: Pena – detenção de 6 (seis) meses
a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à
apreensão sem observância das formalidades legais”. Temos sustentado que este
delito não se confunde com o previsto no art. 148 do Código Penal, em
particular com a figura qualificada prevista no art. 148, § 1.º, IV. Cuida-se,
na realidade, de figura mais branda que a prevista no Código Penal, envolvendo
somente a apreensão de menor de 18 anos, sem flagrante ou ordem judicial.
Apreender significa, neste caso, prender, mas não colocar em cárcere. Em outros
termos, quem fizer a apreensão do menor, sem as formalidades legais (cf. art. 106
da Lei 8.069/90), incide na figura do art. 230. Aquele que privar o menor de 18
anos de sua liberdade, inserindo-o em cárcere, deve responder pelo art. 148, §
1.º, IV, do Código Penal, com pena mais grave. A mera apreensão (retenção,
prisão por algumas horas, detenção para averiguação) configura o delito do art.
230; outras formas mais duradouras de privação de liberdade equivalem, em nosso
entendimento, ao sequestro ou cárcere privado. Aliás, não teria o menor sentido
uma lei de proteção à criança ou adolescente considerar infração de menor
potencial ofensivo a privação ilegal e duradoura da liberdade do menor de 18
anos, prevendo pena de detenção, de seis meses a dois anos, enquanto o Código
Penal comina pena de reclusão, de dois a cinco anos.
1.13.4. INTERNAÇÃO FRAUDULENTA
Para Bitencourt
(2011),
A
internação da vítima, indevidamente, em casa de saúde ou hospital, reveste-se
de requintada maldade, com a utilização de meio artificioso e fraudulento, não
raro abusando da boa-fé do ofendido. Esse artifício na execução do crime revela
determinado grau de periculosidade acima do normal.
Fundamento
da punição
Fato como
esse somente poderá ocorrer em relação a pessoas de certa forma frágeis, pois
só quem esteja por alguma razão carente ou necessitada de cuidados médicos pode
ser
ludibriado com esse meio fraudulento. E, nesse estado, qualquer pessoa tem suas
defesas reduzidas e fica mais sujeita a manipulação dessa ordem. Essas
circunstâncias
todas
justificam a maior punição do autor.
Casa de
saúde ou hospital: irrelevância
É
indiferente que a internação ocorra em casa de saúde ou em hospital, pois não é
a natureza do local que agrava o crime, mas sua destinação de cura ou
tratamento.
Anuência
ou participação
A anuência
ou participação de qualquer profissional do estabelecimento de saúde responderá
pelo mesmo crime, segundo os preceitos do concurso de pessoas. Se, contudo, o
agente incorrer em erro, seja de tipo, seja de proibição, receberá o
tratamento segundo a natureza desse erro e a sua evitabilidade ou inevitabilidade.
1.13.5. FINALIDADE LIBIDINOSA
Com
Nucci (2014),
Esta
é outra modificação racional da Lei 11.106/2005, que aboliu o vetusto delito de
rapto (arts. 219 e 220), incluindo, dentre as possibilidades de qualificação do
sequestro ou cárcere privado, a finalidade libidinosa do agente. Aliás, sempre
defendemos, em edições anteriores desta obra, a extinção do crime de rapto,
pois não passava de um “sequestro para fim libidinoso”. A correção foi feita
pelo legislador. Portanto, na forma qualificada (“privar alguém de sua
liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado, para fins libidinosos”),
temos um delito formal, que se materializa quando a liberdade for cerceada,
independentemente de atingir o autor o fim objetivado.
1.13.6.
SE A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DURA MAIS
DE 15 (QUINZE) DIAS
De acordo com Bitencourt (2011),
O
prolongamento dos crimes permanentes, embora não alterem sua tipificação
inicial, aumenta consideravelmente o sofrimento da vítima e o dano geral que
produz ao ordenamento jurídico em termos genéricos. A maior durabilidade do
crime permanente reflete, igualmente, maior lesividade objetiva e maior
insensibilidade moral, que é um componente da periculosidade exacerbada.
Contagem
do prazo: é material
Na
contagem desse prazo, que é material, inclui-se o dia do começo (art. 10). Não
nos parece, porém, que se trate do chamado crime a prazo, pois o período
referido representa somente um marco, para além do qual o crime, que já está
consumado, assume maior gravidade.
1.13.7.
Se resulta
à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento
físico ou moral
Segundo Nucci (2014),
Poder-se-ia
dizer, num primeiro momento, tratar-se de resultado qualificador (crime
qualificado pelo resultado), mas não é o caso. O tipo penal se alterou para
serem incluídos os maus-tratos e a natureza da detenção. Portanto, não é o
grave sofrimento – físico ou moral – uma simples resultante do sequestro ou
cárcere privado, mas sim de particular modo de praticar o crime. Assim, o
agente que priva a liberdade de outrem e, além disso, submete a vítima a
maus-tratos (ex.: espancando-a ou ameaçando-a constantemente, enquanto sua liberdade
está tolhida) ou coloca-a em lugar imundo e infecto, causando-lhe, além da
conta, particularizado sofrimento físico ou moral, deve responder mais
gravemente. Havendo lesão corporal, não fica esta absorvida pelo crime de
sequestro ou cárcere privado qualificado. Há concurso material, pois a ofensa à
integridade física não é necessariamente o modo pelo qual se pratica a forma
qualificada (§ 2.º) do delito do art. 148. Daí por que deve-se levar em
consideração o outro ânimo com que agiu o autor, que é o de ofender a
integridade corporal ou a saúde da vítima.
1.13.8.
Sequestro e
Lei de Tortura (Lei nº 9.455/97)
Com
Capez (2013),
De
acordo com o art. 1º, § 4º, III, da Lei n. 9.455/97, a pena será aumentada de
um sexto até um terço se o crime de tortura é cometido mediante sequestro. A
lei se refere ao sequestro prolongado, uma vez que aquele que tiver a duração
estritamente necessária para a realização da tortura restará por esta
absorvido. O torturador não responderá também pelo crime do art. 148 do CP,
porque o sequestro já funciona como circunstância majorante no delito de
tortura, e a sua punição constituiria bis in idem.
1.13.9.
Sequestro e
Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 4.896/95)
Com Capez (2013),
Caso
o agente seja autoridade no exercício das suas funções, poderão ocorrer os delitos
previstos nos arts. 3º, a (atentado contra a liberdade de locomoção),
4º, a (ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem
as formalidades legais ou com abuso de poder), e 4º, i (prolongar
execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de
expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade), da
Lei n. 4.898/65.
1.13.10.
Sequestro, Crime
Político e Extradição
Segundo Capez (2013),
O
sequestro pode configurar crime contra a Segurança Nacional se praticado por
inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações
políticas clandestinas ou subversivas (art. 20 da Lei de Segurança Nacional).
De acordo com o art. 76, VII, do Estatuto do Estrangeiro, a extradição não será
concedida quando o fato constituir crime político. O § 1º, por sua vez, dispõe
que “a exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir,
principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao
delito político, constituir o fato principal”. Caberá exclusivamente ao Supremo
Tribunal Federal a apreciação do caráter da infração (§ 2º). Finalmente, “o
Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os
atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos
de anarquismo, terrorismo, sabotagem, sequestro de pessoa, ou que importem propaganda
de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social”
(§ 3º). Já decidiu o STF: “Alegação inconsistente de crime político, porque
unicamente baseada na condição, de Ministro de Estado, da vítima de sequestro, mediante
exigência de paga em dinheiro, sem nenhum outro indício daquela suposta
natureza da infração” (STF, Exts. 486/BE, T. Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti,
j. 7-3-1990, DJ 3-8-1990, p. 1083).
2. REDUÇÃO
A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO
2.1.
Dispositivo
Redução a condição
análoga à de escravo
Art. 149. Reduzir alguém a
condição análoga à de escravo, quer submetendo‑o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando‑o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão,
de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas
penas incorre quem:
I – cerceia o uso
de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê‑lo
no local de trabalho;
II – mantém
vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê‑lo
no local de trabalho.
§ 2º A pena é
aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança
ou adolescente;
II – por motivo de
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
2.2. Fundamento
Constitucional
Para Capez (2013),
Constitui um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III) e um de seus objetivos fundamentais a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), regendo-se em suas relações
internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II).
De acordo com o art. 5º, II, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”. O inciso III, por sua vez, dispõe que
“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Os
arts. 6º e 7º, finalmente, dispõem sobre os direitos sociais dos trabalhadores urbanos
e rurais, os quais almejam assegurar a dignidade da pessoa humana.
2.3.Análise
do Núcleo do Tipo
Para Nucci (2014),
Reduzir, no prisma deste
tipo penal, significa subjugar, transformar à força, impelir a uma situação
penosa. Antes da modificação introduzida pela Lei 10.803/2003, a previsão do
art. 149 era apenas a seguinte: “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”,
o que exigia a utilização, nem sempre recomendável, da analogia – embora nesse
caso fosse opção do próprio legislador. Assim, reduzir uma pessoa à condição
semelhante à de um escravo evidenciava um tipo específico de sequestro ou
cárcere privado, pois os escravos não possuíam um dos bens mais sagrados dos
seres humanos, que é a liberdade, associado à imposição de maus-tratos ou à
prática da violência. A alteração legislativa teve nitidamente por finalidade atacar
o grave problema brasileiro do “trabalho escravo”, muito comum em fazendas e
zonas afastadas dos centros urbanos, onde trabalhadores são submetidos a
condições degradantes de sobrevivência e de atividade laborativa, muitos sem a
remuneração mínima estipulada em lei, sem os benefícios da legislação
trabalhista e, o que é pior, levados a viver em condições semelhantes a dos escravos,
de triste memória na nossa história. E na atual redação do tipo penal do art.
149 não mais se exige, em todas as suas formas, a união de tipos penais como
sequestro ou cárcere privado com maus-tratos, bastando que se siga a orientação
descritiva do preceito primário. Destarte, para reduzir uma pessoa a condição
análoga à de escravo pode bastar submetê-la a trabalhados forçados ou jornadas
exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho. De resto, nas outras
figuras, deve-se fazer algum tipo de associação à restrição à liberdade de
locomoção, sob pena de se confundir este delito com as formas previstas no art.
203 deste Código. Mas, em suma, as situações descritas no art. 149 são
alternativas e não cumulativas. Certamente a redação do tipo melhorou, pois trouxe
mais segurança ao juiz, pautando-se pelo princípio da taxatividade. Nos
tribunais: STJ: “Nos termos do consignado no acórdão a quo, o crime de
redução a condição análoga à de escravo consuma-se com a prática de uma das
condutas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a presença
concomitante de todos os elementos do tipo para que ele se aperfeiçoe, por se
tratar de crime doutrinariamente classificado como de ação múltipla ou
plurinuclear” (HC 239.850/PA, 5.ª T., rel. Gilson Dipp, 14.08.2012, v.u.).
2.4.
Ação Nuclear
Para Capez (2013),
A redução a condição análoga
à de escravo consiste na submissão total do sujeito passivo ao poder de outrem,
suprimindo seu status libertatis.
A Lei n. 10.803/2003
procurou elencar os modos pelos quais a redução a condição análoga à de escravo
pode dar-se: mediante submissão a trabalhos forçados ou a 478/1080
jornada exaustiva, mediante a sujeição a condições degradantes
de trabalho, mediante restrição, por qualquer meio, de sua locomoção em razão
de dívida contraída com o empregador ou preposto. Todas essas ações (submissão,
sujeição ou restrição) podem ser praticadas pelo emprego de fraude, ameaça,
violência. Trata-se de crime de ação livre. O consentimento da vítima é
irrelevante, pois a submissão do indivíduo a condição análoga à de escravo
afronta um dos princípios mais elementares do Estado Democrático de Direito,
qual seja, o da dignidade da pessoa humana. Convém notar que esse crime é bastante
comum em fazendas no interior dos Estados, bem como em fábricas que contratam
mão de obra de imigrantes estrangeiros clandestinos para trabalho em condições
desumanas e degradantes.
2.5.
Sujeitos Ativo e Passivo
Os sujeitos ativo e passivo podem ser qualquer
pessoa, desde que ligadas à relação de trabalho. Para Nucci (2014),
O
sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, embora, como regra, passe a ser o
empregador e seus prepostos. O sujeito passivo, entretanto, somente pode ser a
pessoa vinculada a uma relação de trabalho. O tipo do art. 149, antes da
modificação trazida pela Lei 10.803/2003, era amplo e colocava como sujeito
passivo qualquer pessoa (alguém). Atualmente, no entanto, embora tenha mantido
a palavra “alguém” no tipo, em todas as descrições das condutas incriminadas
faz referência a “empregador” ou “trabalhador”, bem como a “trabalhos forçados”
ou “jornadas exaustivas”. Poder-se-ia até mesmo sustentar que o crime de
redução a condição análoga à de escravo ficaria mais bem situado no contexto dos
crimes contra a organização do trabalho, mas a razão de se cuidar dele no
Capítulo VI do Título I da Parte Especial é o envolvimento da liberdade
individual de ir e vir.
2.6.Elemento Subjetivo
Com
Nucci (2014) o elemento subjetivo do tipo “‘é o dolo. Não existe a forma
culposa. Não se exige elemento subjetivo específico, nas modalidades previstas
no caput, mas, sim, nas formas do § 1.º: “com o fim de retê-lo no local
de trabalho’”.
2.7. Analogia
Para Nucci (2014),
Antes,
como explicitado na nota 39 supra, o tipo penal valia-se de modo integral da
interpretação analógica. O modelo de conduta proibida era baseado num processo
de comparação, sem o qual não se conseguia chegar à definição do delito. Assim,
pretendia a lei construir um tipo indicando que a imposição a alguém de uma
situação semelhante ou comparável àquela vivenciada pelos escravos configurava
o delito do art. 149, cuja pena sempre foi maior do que a prevista no art. 148,
caput; o que fazia sentido, uma vez que nem toda privação da liberdade
precisaria colocar a pessoa próxima à condição de um escravo. Não mais se
necessita integralmente, na atual redação, da interpretação analógica, uma vez
que o legislador descreveu o que entende por “situação análoga à de escravo”,
bastando, pois, a adequação do fato ao modelo legal de conduta proibida.
2.8. Escravo (Art. 149, caput)
Para Nucci (2014), o termo escravo
Continua a ser um
elemento normativo do tipo, que depende da interpretação cultural do juiz.
Escravo, em análise estrita, era aquele que, privado de sua liberdade, não
tinha mais vontade própria, submetendo-se a todos os desejos e caprichos do seu
amo e senhor. Era uma hipótese de privação da liberdade em que imperava a
sujeição absoluta de uma pessoa a outra.
Logicamente, agora, para a configuração do
delito, não mais se necessita voltar ao passado, buscando como parâmetro o
escravo que vivia acorrentado, levava chibatadas e podia ser aprisionado no
pelourinho. É suficiente que exista uma submissão fora do comum, como é o caso
do trabalhador aprisionado em uma fazenda, com ou sem recebimento de salário,
porém, sem conseguir dar rumo próprio à sua vida, porque impedido por seu
pretenso patrão, que, em verdade, busca atuar como autêntico “dono” da vítima.
O conceito de escravo deve ser analisado em sentido amplo, pois o crime
pode configurar-se tanto na submissão de alguém a trabalhos forçados ou a
jornadas exaustivas como também no tocante à restrição da liberdade de
locomoção.
2.9.
Objetos material e jurídico
Ainda
com o mestre, “o objeto material é a pessoa aprisionada como se escravo fosse;
o objeto jurídico é a liberdade do indivíduo de ir, vir e querer”.
2.10.
Classificação
Segundo Nucci (2014),
·
Crime comum: não demanda sujeito ativo
qualificado ou especial;
·
Material: delito que exige resultado
naturalístico, consistente na privação da liberdade ou de qualquer situação
degradante ou abusiva na atividade laborativa;
·
Crime de forma vinculada: pode ser
cometido pelos meios descritos no tipo;
·
Comissivo (“reduzir” implica em ação) e,
excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a
aplicação do art. 13, § 2.º, do Código Penal);
·
Permanente: o resultado se prolonga no
tempo;
·
Crime de dano: consuma-se com efetiva
lesão ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade em sentido amplo;
·
Unissubjetivo: pode ser praticado por um
só agente;
·
Plurissubsistente: em regra, vários atos
integram a conduta;
·
Admite tentativa.
2.11.
Consentimento da vítima
Segundo
Nucci (2014), “pode afastar a configuração do delito, desde que a situação na qual
se veja envolvido o ofendido não ofenda a ética social e os bons costumes”.
2.12.
Trabalhos forçados:
Para
Nucci (2014),
É
a atividade laborativa desenvolvida de maneira compulsória, sem voluntariedade,
pois implica em alguma forma de coerção caso não desempenhada a contento. Cumpre
ressaltar que até mesmo aos condenados, veda, a legislação brasileira, a
imposição da pena de trabalhos forçados (art. 5.º, XLVII, c, CF), motivo
pelo qual é inconcebível que qualquer pessoa seja submetida a essa forma de
trabalho.
2.13.
Jornada exaustiva
Para
Nucci (2014),
É
o período de trabalho diário que foge às regras da legislação trabalhista,
exaurindo o trabalhador, independentemente de pagamento de horas extras ou
qualquer outro tipo de compensação. Entretanto, diversamente do contexto dos
trabalhos forçados (que, pela sua própria natureza, são compulsoriamente
exigidos), a jornada exaustiva pode ser buscada pelo próprio trabalhador, por
vezes para aumentar sua remuneração ou conseguir algum outro tipo de vantagem.
Para a configuração do crime do art. 149 é preciso que o patrão submeta (isto
é, exija, subjugue, domine pela força) o seu empregado a tal situação. Se se
cuidar de vontade própria do trabalhador não se pode falar em concretização da
figura típica (vide a nota 46 supra).
2.14.
Condições degradantes de trabalho
Para Nucci (2014),
Degradação
significa
rebaixamento, indignidade ou aviltamento de algo. No sentido do texto, é
preciso que o trabalhador seja submetido a um cenário humilhante de trabalho,
mais compatível a um escravo do que a um ser humano livre e digno. Logo, apesar
de se tratar de tipo aberto, dependente, pois, da interpretação do juiz, o bom senso
está a indicar o caminho a ser percorrido, inclusive se valendo o magistrado da
legislação trabalhista, que preserva as condições mínimas apropriadas do
trabalho humano.
2.15. Restrição
da liberdade de locomoção:
Para
Nucci (2014),
É
lógico supor que o cárcere privado é medida ilustrativa da condição de escravo,
mormente quando associada a perda da liberdade
de ir e vir com o trabalho desgastante ou degradante. Entretanto, o tipo penal utilizou, como já exposto, a forma
alternativa, bastando que o empregador submeta o trabalhador a trabalhos
forçados ou a jornadas exaustivas ou a trabalho degradante ou
mesmo a uma situação de vínculo obrigatório com o local de trabalho,
através do artifício de constituir o trabalhador em eterno devedor, uma vez que
o obriga a efetuar suas compras de caráter pessoal em loja ou equivalente
pertencente ao próprio patrão, fazendo com que sua dívida nunca esteja quitada
e, com isso, sua liberdade para deixar o emprego, manietada. Assim, qualquer
que seja o meio empregado, se a liberdade de ir e vir do trabalhador for
cerceada em função de dívida contraída com o empregador ou preposto seu,
configura-se o delito do art. 149. Caso o patrão proporcione ao empregado a
oportunidade de adquirir bens em comércio de sua propriedade – o que não é por
si só ilícito – não pode jamais vincular a saída do empregado do seu posto em
virtude da existência de dívida. Difere este delito do previsto no art. 203, §
1.º, I, do Código Penal, pelo fato de que, na redução à condição análoga à de escravo,
o patrão restringe a liberdade de locomoção porque o empregado lhe deve
algo em razão de dívida, logo é o equivalente a impor um cárcere privado por
conta de dívida não paga. Naquele delito contra a organização do trabalho
(figura residual, porque mais branda), o empregador obriga o trabalhador a usar
mercadoria de determinado estabelecimento com o fim de vinculá-lo, pela dívida contraída,
ao seu posto de trabalho, mas sem afetar sua liberdade de locomoção. Assim,
caso o trabalhador se sinta vinculado ao lugar de trabalho por conta de dívida,
embora possa ir e vir, concretiza-se o tipo penal do art. 203, § 1.º, I, mas se
não puder locomover-se em face disso, o delito passa a ser o do art. 149.
Ademais, o crime do art. 203, § 1.º, I, é formal, enquanto o do art. 149 é material
(deve envolver sempre restrição efetiva à liberdade de ir e vir).
2.16.
Acumulação material e multa
Para
Nucci (2014),
A
pena do delito do art. 149 foi modificada, acrescentando-se multa, o que é
correto, uma vez que o empregador, ao reduzir alguém a condição análoga à de
escravo, busca o lucro, bem como implementando-se o sistema da acumulação
material, ou seja, além de responder por crime contra a liberdade individual,
caso haja o emprego de violência (ex.: lesões corporais), responderá também por
este delito, somando-se as penas.
2.17. Cerceamento de meio de transporte
Para
Nucci (2014),
O disposto nos incisos I e II do § 1.º do
art. 149, constituem tipos básicos autônomos, embora sujeitos às mesmas penas
das condutas previstas no caput. São formas, portanto, de redução a
condição análoga à de escravo: cerceamento de utilização de meio de transporte,
objeto de análise desta nota, bem como manutenção de vigilância ostensiva no local
de trabalho ou apossamento de documentos ou objetos pessoais do trabalhador. No
caso do inciso I, a conduta típica prevê a restrição à livre opção do
trabalhador de se ausentar do lugar de trabalho, valendo-se do meio de
transporte que deseje e seja apto a tanto. Assim, qualquer método empregado
pelo patrão para impedir que o trabalhador se afaste pode configurar o delito
do art. 149.
Note-se que a figura típica foi idealizada
para as fazendas, distantes de centros urbanos, que possuem meios de transporte
próprios para levar e buscar os trabalhadores às cidades e vilarejos próximos.
Nesse contexto, não é incomum que o
patrão, dono dos meios de transporte, com o fito de reter os empregados no
lugar de trabalho, retire esse veículo, fazendo com que a locomoção para outro
local deixe de ser viável. Nada impede, no entanto, que o crime se perfaça
também em centros urbanos, pois a conduta típica admite o cerceamento do uso de
qualquer meio de transporte e não somente os de propriedade do
empregador.
2.18.
Manutenção de vigilância ostensiva no
lugar de trabalho
Para
Nucci (2014),
Manter,
por si só, vigilância ostensiva, isto é, cuidados de proteção visíveis no local
de trabalho não configura o crime (é o que ocorre num banco, onde existe guarda
armada), pois a finalidade do crime previsto no art. 149 é, através de
vigilância aparente – armada ou não –, reter o empregado no lugar de trabalho.
Há, pois, elemento subjetivo específico. É o que ocorre, infelizmente com certa
frequência, em fazendas onde capangas armados não permitem que trabalhadores
saiam dos seus postos, tal como se fazia no passado com os escravos.
2.19.
Apossamento de documentos ou objetos pessoais
Para Nucci (2014),
A
figura é semelhante à existente no art. 203, § 1.º, II, do Código Penal, que é
delito contra a organização do trabalho. A diferença consiste em que, no caso
do art. 149, o apossamento dos documentos ou dos objetos pessoais do
trabalhador impede que ele deixe o local de trabalho, caracterizando condição
análoga à de escravo. No outro delito, o empregador retém documentos pessoais
ou contratuais, sem afetar a liberdade de locomoção, com o fito de manter o
vínculo com o empregado. Este, impossibilitado de apresentar documentos
pessoais a outra empresa, por exemplo, acaba ficando no seu posto. É preciso considerar
que o tipo penal do art. 203 passa a ser subsidiário, ou seja, quando não
configurada a hipótese de redução a condição análoga à de escravo, por meio da
retenção deliberada dos documentos ou pertences do trabalhador, impedindo sua
liberdade de ir e vir, resta a punição pelo impedimento à liberdade de escolha
do seu posto de trabalho. O fator diferencial há de ser a liberdade de
locomoção, associada, evidentemente, à duração da conduta. O crime do art. 149
é permanente, pois fere a liberdade individual, enquanto o do art. 203 é
instantâneo, configurando-se numa única ação, sem necessário prolongamento,
voltando-se à liberdade de escolha de trabalho.
2.20.
Causas de
aumento de pena
Para Nucci (2014),
Impõe-se
o aumento de metade no processo de fixação da pena quando o agente se voltar
contra criança (pessoa que tenha até onze anos completos) ou adolescente
(pessoa que possua entre doze e dezoito anos), bem como quando o crime
sustentar-se em motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Esta última situação não deixa de ser uma forma de racismo, por isso é
imprescritível e inafiançável, conforme prevê a Constituição Federal (art. 5.º,
XLII). Dessa maneira, quem cometer o delito de redução à condição análoga à de
escravo motivado por razões de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem será mais severamente apenado, além de não se submeter a pretensão
punitiva estatal à prescrição.
2.21.
Competência
Para Nucci (2014),
O
crime, na essência, tem por objeto jurídico a proteção à liberdade de ir, vir e
querer da pessoa humana. Entretanto, após a modificação introduzida, no tipo
penal, pela Lei 10.803/2003, descrevendo, pormenorizadamente, as condutas para
a tipificação desta infração penal, verificou-se uma preocupação real com o
direito ao livre trabalho. Em outras palavras, embora o crime continue inserido
no capítulo pertinente à liberdade individual, há pinceladas sensíveis de proteção
à organização do trabalho. Em decorrência disso, o Supremo Tribunal Federal
fixou como competente a Justiça Federal para apurar e julgar o crime previsto
no art. 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo).
Entretanto, o Pretório Excelso decidiu um caso concreto e deixou expresso que
não se trata de um leading case, ou seja, uma posição permanente do STF,
determinando ser da Justiça Federal a competência para todas as hipóteses de
redução a condição análoga à de escravo. No fundo, vislumbrou-se na decisão
tomada um forte conteúdo regional, que uniu uma situação de abuso contra a
liberdade individual, direito humano fundamental, com o direito ao trabalho
livre (organização do trabalho), envolvendo várias vítimas. Argumentou-se,
inclusive, com o fato de se poder transferir à Justiça Federal qualquer delito
que importe em grave violação dos direitos humanos (art. 109, § 5.º, CF). O
precedente, no entanto, foi aberto. É possível haver crimes de redução a
condição análoga à de escravo, unindo lesão à liberdade individual e direito ao
livre trabalho, de interesse da União, logo, da Justiça Federal. Em suma, tudo
a depender do caso concreto, embora a competência ordinária seja da Justiça
Estadual (RE 398041-PA, Pleno, rel. Joaquim Barbosa, 30.11.2006, m.v.). No
mesmo prisma: STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de
redução a condição análoga à de escravo, pois qualquer violação ao homem trabalhador
e ao sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos
e deveres dos trabalhadores enquadra-se na categoria de crime contra a
organização do trabalho, desde que praticada no contexto da relação de
trabalho” (AgRg no CC 105026-MT, 3.ª S., rel. Gilson Dipp, 09.02.2011, v.u.).__
3.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. R. (2012). Penal Comentado, 7ª
Edição. São Paulo: Saraiva.
BITENCOURT, C. R. (2012). Tratado de Direito Penal - Parte
Especial. Vol. 2. Dos crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva.
BRASIL. (s.d.). CÓDIGO PENAL: DECRETO-LEI N. 2.848.
Acesso em 22 de Julho de 2014, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
BRASIL. (s.d.). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL DE 1988. Acesso em 22 de 07 de 2014, disponível em BRASIL:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
CAPEZ, F. (2013). Código Penal Comentado. São Paulo:
Saraiva.
NUCCI, G. d. (2014). Código Penal Comentado. 14ª Edição.
Rio de Janeiro: Forense.
SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de. Considerações sobre a disciplina dos crimes
de seqüestro e cárcere privado no Código Penal brasileiro. Revista Jus
Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1309, 31 jan. 2007. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/9444>. Acesso em: 31 mar. 2015.
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