1.
Introdução
O caso ocorreu,
“Em 1997, Gloria de los Angeles Treviño Ruiz, cantora
mexicana conhecida como Gloria Trevi, fugiu do México, ao ser acusada
de abuso sexual em menores, restando decretada sua prisão pelas leis daquele
país.
Três anos depois, em Janeiro de 2000, a mesma foi presa no Brasil e
mantida sob custódia na carceragem da Polícia Federal em Brasília, aguardando o
trâmite do processo de extradição.
Neste ínterim, Gloria Trevi ficou grávida, dizendo ter sido vítima de
contínuos estupros supostamente perpetrados por mais de 60 pessoas (entre
policiais federais e ex-detentos) que, visando dirimir tal dúvida,
espontaneamente forneceram material para feitura de exame de DNA.
Indagada sobre quem seria o pai de seu filho, a mesma voltou às
acusações e negou-se a fazer o elucidativo exame de DNA, suscitando reclamação
perante o Supremo Tribunal Federal para evitar cumprimento de decisão de
instância inferior fosse colhido sangue da placenta, durante o parto e de seu
recém-nascido, para tal intento.” (Lourenço, 2011)
Segue abaixo, ementa do “Caso Glória Trevi”:
“EMENTA:
- Reclamação. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à
disposição do STF.
2.
Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de
DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da
extraditanda.
3.
Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88.
4.
Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª
Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte -
HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e
fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente.
5.
Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80.
Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de
coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia
Federal.
6.
Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que
autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA,
suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação
ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da
placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal
da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário
médico da parturiente.
7.
Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa",
"persecução penal pública" e "segurança pública" que se
acrescem, - como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito
fundamental à honra (CF, art. 5º, X), bem assim direito à honra e à imagem de
policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da
Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o
alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de
seu filho.
8.
Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento
do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª
Vara do Distrito Federal.
9.
Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido,
em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante,
com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica
de entrega à Polícia Federal do "prontuário médico" da reclamante.”
(STF, 2002)
2.
Debates
A antinomia
ocorre a partir de direitos fundamentais. A reclamante invoca os incisos X e
XLIX do art. 5º da CF/88. Questiona a autorização através do
“Ofício
do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da
Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN,
autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e
fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente.” (STF, 2002)
Os artigos citados inferem:
“X -
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação;
XLIX
- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;” (BRASIL,
1988)
“Art.
13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo,
quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os
bons costumes.” (BRASIL, CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, LEI Nº 10.406, 2002)
“O princípio da não auto-incriminação (Nemo tenetur se detegere ou
Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere) significa que
ninguém é obrigado a se auto-incriminar ou a produzir prova contra si mesmo.
Dessa maneira, nenhum indivíduo pode ser obrigado a fornecer involuntariamente
qualquer tipo de elemento que o envolva direta ou indiretamente na prática de
um crime. Pode-se afirmar que o princípio da não auto-incriminação apresenta
diversos reflexos e conseqüências, tais como o direito do acusado ao silêncio,
o direito do acusado de não praticar qualquer ato que possa incriminá-lo e,
ainda, o direito do acusado de não produzir nenhuma prova incriminadora que
envolva a disposição de seu próprio corpo.”
[...]
Outro ponto que está intimamente relacionado ao princípio da não
auto-incriminação refere-se à legalidade das provas invasivas e não invasivas.
Em síntese, pode-se afirmar que as provas invasivas são aquelas obtidas por
meio da utilização ou da extração de parte do corpo humano (em regra, vedadas
pelo princípio da não auto-incriminação). Já as provas não invasivas são
aquelas que decorrem da inspeção ou verificação corporal, não implica a
extração de nenhuma parte do corpo humano (não dependem do consentimento do
acusado e são admitidas pelo Direito).” (Cabral & Cangussu, 2011)
Aprofundando-se,
“O art. 13 do novo Código veda a disposição de parte do corpo, a
não ser em casos de exigência médica e desde que tal disposição não traga
inutilidade do órgão ou contrarie os bons costumes. Esse artigo enquadra-se perfeitamente
nos casos envolvendo o transexualismo. Mas leitura cuidadosa deve ser feita do
dispositivo: havendo exigência médica, não se discute a segunda parte do
comando legal. Sobre tal dispositivo, entendeu o corpo de juristas que
participou da I Jornada do CJF que deve ser incluído o bem estar psíquico da
pessoa que suportará a disposição (enunciado nº 6: "Art. 13: a expressão
‘exigência médica’, contida no art.13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto
ao bem-estar psíquico do disponente”).” (Tartuce, 2005)
3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do
conflito normativo, a defesa utilizou um argumento para garantir os direitos
acima descritos, como absolutos.
“Para tanto, alegou estar em risco seu direito à vida privada e
intimidade, alegando in verbis:
‘Não é preciso dizer que, justamente por isso, a suplicante,
enquanto pessoa humana e mãe, goza do direito exclusivo de autorizar, ou não, a
realização de exame de material genético dela e de seu filho, ao passo que este
terá, no futuro, o direito de propor a investigação de paternidade, se assim o
desejar, nos moldes do que prescrever a Lei civil. Neste contexto, afora ela
mãe, ninguém tem o direito de promover a coleta de material dela ou de seu
filho, para a realização de ditos exames, pouco importando, para isso, o fato
de ter sido concebido o nascituro enquanto se encontrava ela, mãe, presa nas dependências
da Polícia Federal.
Mais grave, ainda, é o fato de se querer colher o material à
revelia dela suplicante, com flagrante violação e intromissão na sua intimidade
e vida privada, direitos estes protegidos pela Lei maior. ’” (Lourenço,
2011)
4.
Referências Bibliográficas
BRASIL. (1988). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível em
PLANALTO: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
BRASIL. (10 de 01 de 2002).
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, LEI Nº 10.406. Acesso em 11 de 07 de 2013,
disponível em PLANALTO: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
Cabral, B. F., &
Cangussu, D. D. (10 de 2011). Reflexos e consequências jurídicas do
princípio da não auto-incriminação. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível
em JUS NAVIGANDI: http://jus.com.br/revista/texto/20274/reflexos-e-consequencias-juridicas-do-principio-da-nao-auto-incriminacao
Lourenço, V. J. (10 de
Fevereiro de 2011). Colisão de direitos fundamentais - Análise de alguns
casos concretos sob a ótica do STF. Acesso em 10/07/2013 de Julho de 2013,
disponível em Jus Navigandi:
http://jus.com.br/revista/texto/20328/colisao-de-direitos-fundamentais
STF. (21 de 02 de 2002). RECLAMAÇÃO
Nº 2.040-1/DF. Acesso em 11 de 07 de 2013, disponível em
http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev0/files/JUS2/STF/IT/RCL-QO_2040_DF%20_21.02.2002.pdf
Tartuce, F. (01 de 2005). Os
direitos da personalidade no novo Código Civil. Acesso em 11 de 07 de 2013,
disponível em JUS NAVIGANDI:
http://jus.com.br/revista/texto/7590/os-direitos-da-personalidade-no-novo-codigo-civil
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