SEMINÁRIO I: CONHECIMENTO E LINGUAGEM
AUTOR: ANDRÉ PORTO
I.
O QUE
PODE SE ENTENDER POR LINGUAGEM? QUAL É A RELAÇÃO ENTRE A LINGUAGEM E O
CONHECIMENTO?
A linguagem, segundo GUIBOURG[1],
seria uma composição de signos (símbolos). No entanto estes devem estar
ordenados numa estrutura tratada por ele como orgânica e ter atribuída certa
função. Ele define o conceito de linguagem, numa aproximação prévia, com um
sistema de símbolos que serve à comunicação.
CARVALHO[2] trata a linguagem
apontando seu teor cultural, sua construção lógica na organização dos signos
para acontecimento da comunicação e transmissão dos conhecimentos.
Apreendendo trechos do texto de
MOUSSALLEM, “a linguagem existe per se, é auto-subsistente”[3]. Entendo a via
dialógica no sentido que segundo ele o homem só percebe a realidade a partir da
linguagem, e sem a linguagem ele não se percebe como o mesmo.
Sintetizando a partir do meu
entendimento, acredito que a linguagem é uma construção cultural na qual nós
seres humanos utilizamos para adquirir e transmitir informações. No entanto
essa linguagem evoluiu historicamente, sendo utilizada de acordo com a cultura
na qual ela se apresenta, seja oral, gestual, escrita, etc. A linguagem então
passa a ser o meio no qual os seres humanos interpretam a realidade e passam
sua versão dos fatos, concordando MOUSSALLEM, quando cita NIETZCHE: “a
interpretação é a versão dos fatos”[4].
A linguagem para CARVALHO significa
“[...] a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos
cujo conjunto sistematizado é a língua.”[5] Essa “língua” seria
o código (um sistema convencionado de signos) utilizado para se comunicar.
Partindo dos pressupostos acima,
entendo que para adquirir conhecimentos, a pessoa necessita da linguagem,
porque sem ela não seria possível ocorrer essa mediação entre a realidade e o
que interpretamos dela. Segundo CARVALHO,
“[...] o conhecimento pode ocorrer mediante qualquer das
modalidades formais da consciência: a percepção, a sensação, a lembrança, as
emoções, a imaginação, a vontade, o pensamento (ideias, juízos, raciocínios,
sistemas), o sonhar, o alimentar esperanças, etc. Consubstancia-se na apreensão
do objeto mediante ato específico e forma correspondente.”[6]
Então, o conhecimento está ligado
diretamente à forma que o apreendemos e interpretamos a realidade. Para
CARVALHO, o processo de conhecer “não se completa sem transitar
obrigatoriamente, pela subjetividade do ser cognoscente”[7]. Ou seja, não é
possível conhecer (em sentido lato) desaliado do indivíduo e sua subjetividade,
ou como MOUSSALLEM, sem sua capacidade de interpretar.
Para MOUSSALLEM, “O conhecimento é a
relação entre linguagens-significações.”[8] Para o autor, o
conhecimento se define como
“[...] um fato complexo que ocorre dentro de um processo
comunicacional. É a relação que se dá entre: (1) a linguagem do sujeito
cognoscente e (2) a linguagem do sujeito destinatário sobre a (3) linguagem do
objeto-enunciado.”[9]
O conhecimento, então, é a
estruturação daquilo que se apreende através da linguagem em um processo de
comunicação. MOUSSALLEM amplia o discurso dizendo que não é possível conhecer
atrelado apenas à percepção, ou realidade. Em seu entendimento, é necessário
uma “[...] interposição do plano linguístico (dos enunciados), estruturando os
universo dos termos-sujeitos e objeto.”[10]
II.
A QUE
ESPÉCIE DE CONHECIMENTO (SABER) SE INTERESSA O CIENTISTA?
O conhecimento num sentido amplo
adquire muitas vertentes para a vida do ser humano. Existem conhecimentos úteis
para o cotidiano, como noções de limpeza pessoal, noções de como se comunicar
com outras pessoas, e até como se portar em tal sociedade, etc. Dentre muitos
conhecimentos quer o indivíduo adquire em sua vida, aquele que é cientista,
interessa-se especificamente por uma espécie. Ele busca aquele conhecimento,
concordando com MOUSSALLEM[11], sem ambiguidades,
sem a vagueza dos signos, que segundo o mestre, fogem ao objetivo do cientista
que seria basicamente o de precisar as coisas.
Então é esse o saber que o cientista
procura. Busca aquilo que é preciso, é aquele conhecimento que possui um
discurso dissociado da indeterminação dos termos, das definições, da vagueza e
da ambiguidade. O conhecimento científico é aquele no qual os enunciados se
tornam, segundo CARVALHO, “[...] na medida do possível unívocos e
suficientemente aptos para indicar com exatidão, os fenômenos descritos.”[12]
O saber científico então fica
circunscrito no rigor da linguagem, na restrição metodológica e nas construções
que demonstram certa exatidão na qual se possa identificar claramente os
conceitos dos quais estão sendo tratados no discurso. Para CARVALHO,
“Na verdade, o saber científico dos tempos atuais é enfático
em um ponto: todos entendem que não há como abrir mão da uniformidade na
apreciação do objeto, bem como da rigorosa demarcação do campo sobre o qual
haverá de incidir a proposta cognoscitiva.”[13]
Concordando com MOUSSALLEM[14],
o conhecimento é composto por enunciados (linguagem) e o cientista se afasta do
saber do leigo e da linguagem ordinária, composta de vagueza e ambiguidades. O
saber científico, para ele, utiliza uma linguagem que difere dos outros
saberes, sua característica principal está no esmero e rigor na construção de
seu discurso. Também para ele,
“Outra característica essencial que nos proporciona
identificar o conhecimento qualificado como saber científico é a existência do
método. [...] “método” no sentido de caminho a ser percorrido pelo cientista
para a justificação de suas asserções, ou seja, são os instrumentos utilizados
pelo cientista para se aproximar (approach) do objeto (entendido o “objeto”
sempre em um sentido linguístico)”.[15]
Concluindo, o saber científico,
necessariamente tem que possuir segundo a bibliografia, três características
principais: rigor, método e objeto. Sendo estes conceitos utilizados para
nortear a fuga da ambiguidade e vagueza dos discursos comuns.
III.
QUAL
É O ELEMENTO BÁSICO DA LINGUAGEM? QUAL É A RELAÇÃO DESTA COM A TEORIA DA
COMUNICAÇÃO?
Segundo CARVALHO,
“O falar em linguagem remete o pensamento, forçosamente, para o sentido
de outro vocábulo: o signo. Como unidade de um sistema que permite a
comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um
significado e a uma significação”.[16]
Ou
seja, o elemento básico da linguagem é o signo. Através dos signos que é
possível se construir uma linguagem e posteriormente significações. Sua relação
com a teoria da comunicação tem grande relevância. A partir dos signos, podemos
distinguir qual a linguagem empregada na comunicação e quais os significados
que esses códigos convencionados buscam passar.
Com
o estudo dos signos, surge a Semiótica, que tem como objeto de estudo principal
“os signos dos mais variados sistemas.”[17]
“Peirce e outro americano – Charles Morris – distinguem três planos na
investigação dos sistemas sígnicos: o sintático, em que se estudam as relações
dos signos entre si, isto é, signo com signo; o semântico, em que o foco de
indagação é o vínculo do signo (suporte físico) com a realidade que ele
exprime; e o pragmático, no qual se examina a relação do signo com os utentes
da linguagem (emissor e destinatário).”[18]
Resumindo, os signos são o elemento
principal na análise da linguagem. Sem o estudo desses, através da Semiótica,
uma teoria da comunicação não seria possível. Convencionadamente, os signos são
convertidos em linguagem, através de códigos construídos em certo grupo social,
no qual definem quais os significados atribuídos e como se utilizar daqueles
signos; isto é, atribuem significado, por exemplo, ao apanhado de gestos,
sinais gráficos, sons a um objeto físico, constroem regras gramaticais, etc.
Então a teoria da comunicação vem para adentrar na pesquisa de seus tipos,
funções, níveis, dentre outros aspectos, produzindo conhecimentos científicos
acerca do assunto.
IV.
“TODA
METALINGUAGEM É REDUTORA DA LINGUAGEM QUE LHE É OBJETO. ISTO NÃO É DIFERENTE NA
CIÊNCIA DO DIREITO. AS REDUÇÕES PODEM TER CARÁTER GERAL OU ESPECÍFICO,
DEPENDENDO DOS RECORTES METODOLÓGICOS REALIZADOS PELO CIENTISTA”. AURORA
TOMAZINI DE CARVALHO, CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO. DEFINA CORTE
METODOLÓGICO E DESCREVA SUA IMPORTÂNCIA PARA O ESTUDO DO DIREITO POSITIVO.
Define-se
como corte metodológico, segundo MOUSSALLEM, “[...] o ato linguístico
delineador da linguagem do objeto de estudo.”[19] Sendo que por
“objeto”, entende-se que seja aquilo o qual o estudo aponta, busca, delineia. O
corte seria aquela separação, de acordo com a área de conhecimento, do que ela
pretende se ater, do que pretende estudar. Por exemplo, a Medicina que busca
estudar (numa posição tecnicista) o corpo humano nas suas relações biológicas.
Para
o direito, essa definição de corte metodológico traça delineamentos do que a
Ciência do Direito (ou diria eu, o Direito) busca trabalhar em seus estudos científicos.
Com o desenrolar histórico, o conhecimento começa a ser delimitado, ficando
cada área do conhecimento com seu corte metodológico, com sua linguagem, com
suas “gírias” técnicas, etc. Com o Direito não foi diferente. Na corrente
cientificizante, segundo MOUSSALLEM,
“A Ciência do Direito em sentido estrito (dogmática jurídica) não deve
preocupar-se com aspectos externos ao objeto, como a moral, o costume (não
juridicizado) e a justiça (extra-jurídica). Trata-se de campo fértil a outras
ciências (ética, sociologia e filosofia) que não a dogmática jurídica. São
jogos de linguagem distintos.”[20]
Para
MOUSSALLEM, em seu texto, essa Ciência deve colocar-se dentro do direito
positivo, não podendo “instalar-se fora para compreendê-lo como um fenômeno
social. Resvalar-se-ia para o campo da Sociologia.”[21]
Entretanto,
é importante ressaltar que essa “restrição” científica tem suas lacunas, não me
parece tão fácil de perceber um objeto de estudo em qualquer ciência, que seja
tão específico ao ponto de não ser tocado por nenhuma outra área do
conhecimento. A intercomunicação e a interdisciplinaridade dos conhecimentos é
factual, tanto que o próprio Direito e suas leis positivas podem ser tocados
por várias áreas de conhecimento, e os próprios “cientistas” do direito também
tocam ou até podem adentrar em outras áreas do conhecimento (ou ciências).
Boaventura
de Sousa Santos reflete sobre as ciências em seu livro “Um discurso sobre as
ciências”. Em um grifo meu, ele escreve que “[...] o conhecimento científico
moderno é um conhecimento desencantado e triste que transforma a natureza num
autómato”[22].
Portando esse movimento delimitador do movimento científico possui suas
lacunas. Ele avança ainda mais, dizendo que,
“O rigor científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que
quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objectivar os
fenómenos, os caricaturiza. É, em suma e finalmente uma forma de rigor que, ao
afirmar a personalidade do cientista, destrói a personalidade da natureza.”[23]
Então,
por mais que tentamos delimitar um objeto, ou realizar um corte metodológico,
este possui lugares em comum com outras áreas de conhecimento. A dificuldade em
isolar um objeto, ou realizar sucessivas experiências com as mesmas variáveis,
é enorme, senão impossível para os seres humanos atualmente.
Para
SANTOS,
“Os objetos tem fronteiras cada vez menos definidas; são construídos por
anéis que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal
ponto que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles.”[24]
Concluo
então levantando a hipótese que o Direito, ou a Ciência do Direito, não
consegue restringir-se à Dogmática. Ou somente ao direito positivo. Isso porque
existiram outras formas de legislar durante a evolução histórica da humanidade
que não se restringiam ao direito positivado. Logo, já aí começam as lacunas da
delimitação de um objeto de estudo muito preciso. No entanto, isso não quer
dizer que não exista um corte metodológico para o Direito, ou melhor, um
caminho no qual o direito toca com mais frequência ao analisar suas questões,
ou um lugar do qual parte as análises de seus estudos, mas sim que este, o
Direito, ou sua ciência, toca e/ou pode ser tocado por outras áreas de
conhecimento ou ciências.
V.
A
RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL PODE SER VISTA COMO UM PROCESSO DE COMUNICAÇÃO
ENTRE AS PARTES? SE SIM, DESCREVA A FUNÇÃO DAS PARTES E DO ESTADO-JUIZ EM TAL
RELAÇÃO, DE ACORDO COM A TEORIA ANGULAR DA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. DO
CONTRÁRIO, DESCREVA A MELHOR MANEIRA DE SE OBSERVAR A RELAÇÃO EM QUESTÃO.
A
relação jurídica processual pode ser vista como um processo de comunicação
entre as partes. Isso porque para que exista qualquer ação processual, deve
haver segundo a teoria angular do processo: autor, réu e juiz. Resumindo, devem
haver uma relação dialógica em uma relação jurídica processual, na qual sempre
vai existir aquele que processa e o aquele que é processado e o juiz.
As
partes, através do aparato jurídico, objetivam convencer o juiz (responsável
por decidir o litígio), através de seu discurso, a decidir a favor da sua
vontade. JEVEAUX, diz que
“[...] se se considerar o sistema jurídico mais que um conjunto de normas
ou instituições, mas um fenômeno de “partes em comunicação”, onde estão
pressupostos uma interação (troca de mensagens), um relato (informação contida
na mensagem) e um cometimento (informação sobre como encarar a mensagem), a
atuação do Juiz-Estado como terceiro comunicador – além dos dois primeiros, que
são as partes, as quais estarão sujeitas à decisão – ocorre numa situação de
controle comunicativo para tornar a decisão um instrumento de suscitação de
obediência, justamente através de um domínio e de uma estratégia de domínio.”[25]
Então,
o Estado-juiz atua como uma espécie de mediador do conflito, trabalhando em
três acepções, segundo JEVEAUX.[26] Uma delas trata o
juiz como autoridade estatal, cuja atribuições constituem na “[...] verificação
da validade e eficácia do direito”; a segunda diz respeito à certa mobilidade
na interpretação da situação; e “[...] a terceira, como estudioso de uma
doutrina que coloca os princípios na base e mesmo antes da edição legislativa,
autodenominada de “científica”.”
Nesse
sentido o juiz busca atuar em um sentido de imparcialidade para que suas
emoções, posição social, entendimentos políticos, etc., não interfiram em suas
decisões judiciais (mesmo que esse caminho seja árduo); já que as
interferências externas são constantes, desde daquelas que se originam das
partes, quanto da comoção social, da imprensa, de ameaças, etc. Portanto, é por
isso que a imparcialidade do juiz é tão imprescindível em um processo judicial.
VI.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, P. d. (2008). Direito Tributário:
Linguagem e Método. Capítulos I e II: Direito e Filosofia; Noções Fundamentais
para uma tomada de Posição Analítica. São Paulo: Noeses.
GUIBOURG, R. .. (2004). Introducción al Conocimento
Cientifico. Capítulos I e II: Language; Conocimiento. Buenos Aires: Eudeba.
JEVEAUX, G. C. (1999). A Simbologia da
Imparcialidade do Juiz. Capítulo I: Direito e linguagem: A Simbologia do
Imparcial. Rio de Janeiro: Forense.
MOUSSALLEM, T. M. (2006). Fontes do Direito Tributário.
2ª ed. Capítulo I: Conhecimento, Linguagem e Direito. São Paulo: Noeses.
SANTOS, B. d. (1995). Um discurso sobre as
ciências. 7ª Edição. Porto: Edições Afrontamento.
[1] (GUIBOURG, 2004)
[2] (CARVALHO, 2008)
[3] (MOUSSALLEM, 2006)
[4] (MOUSSALLEM, 2006)
[5] (CARVALHO, 2008)
[6] (CARVALHO, 2008)
[7] (CARVALHO, 2008)
[8] (MOUSSALLEM, 2006)
[9] (MOUSSALLEM, 2006)
[10] (MOUSSALLEM, 2006)
[11] (MOUSSALLEM, 2006)
[12] (CARVALHO, 2008)
[13] (CARVALHO, 2008)
[14] (MOUSSALLEM, 2006)
[15] (MOUSSALLEM, 2006)
[16] (CARVALHO, 2008)
[17] (CARVALHO, 2008). Signos, lenguaje
y conducta, Buenos Aires, Losada. 1962.
[18] (CARVALHO, 2008)
[19] (MOUSSALLEM, 2006)
[20] (MOUSSALLEM, 2006)
[21] (MOUSSALLEM, 2006)
[22] (SANTOS, 1995)
[23] (SANTOS, 1995)
[24] (SANTOS, 1995)
[25] (JEVEAUX, 1999)
[26] (JEVEAUX, 1999)
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