terça-feira, 22 de outubro de 2013

CONHECIMENTO E LINGUAGEM - SEMINÁRIO ACADÊMICO

SEMINÁRIO I: CONHECIMENTO E LINGUAGEM
AUTOR: ANDRÉ PORTO
I.               O QUE PODE SE ENTENDER POR LINGUAGEM? QUAL É A RELAÇÃO ENTRE A LINGUAGEM E O CONHECIMENTO?
            A linguagem, segundo GUIBOURG[1], seria uma composição de signos (símbolos). No entanto estes devem estar ordenados numa estrutura tratada por ele como orgânica e ter atribuída certa função. Ele define o conceito de linguagem, numa aproximação prévia, com um sistema de símbolos que serve à comunicação.
            CARVALHO[2] trata a linguagem apontando seu teor cultural, sua construção lógica na organização dos signos para acontecimento da comunicação e transmissão dos conhecimentos.
            Apreendendo trechos do texto de MOUSSALLEM, “a linguagem existe per se, é auto-subsistente”[3]. Entendo a via dialógica no sentido que segundo ele o homem só percebe a realidade a partir da linguagem, e sem a linguagem ele não se percebe como o mesmo.
            Sintetizando a partir do meu entendimento, acredito que a linguagem é uma construção cultural na qual nós seres humanos utilizamos para adquirir e transmitir informações. No entanto essa linguagem evoluiu historicamente, sendo utilizada de acordo com a cultura na qual ela se apresenta, seja oral, gestual, escrita, etc. A linguagem então passa a ser o meio no qual os seres humanos interpretam a realidade e passam sua versão dos fatos, concordando MOUSSALLEM, quando cita NIETZCHE: “a interpretação é a versão dos fatos”[4].
            A linguagem para CARVALHO significa “[...] a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos cujo conjunto sistematizado é a língua.”[5] Essa “língua” seria o código (um sistema convencionado de signos) utilizado para se comunicar.
            Partindo dos pressupostos acima, entendo que para adquirir conhecimentos, a pessoa necessita da linguagem, porque sem ela não seria possível ocorrer essa mediação entre a realidade e o que interpretamos dela. Segundo CARVALHO,
“[...] o conhecimento pode ocorrer mediante qualquer das modalidades formais da consciência: a percepção, a sensação, a lembrança, as emoções, a imaginação, a vontade, o pensamento (ideias, juízos, raciocínios, sistemas), o sonhar, o alimentar esperanças, etc. Consubstancia-se na apreensão do objeto mediante ato específico e forma correspondente.”[6]
            Então, o conhecimento está ligado diretamente à forma que o apreendemos e interpretamos a realidade. Para CARVALHO, o processo de conhecer “não se completa sem transitar obrigatoriamente, pela subjetividade do ser cognoscente”[7]. Ou seja, não é possível conhecer (em sentido lato) desaliado do indivíduo e sua subjetividade, ou como MOUSSALLEM, sem sua capacidade de interpretar.
            Para MOUSSALLEM, “O conhecimento é a relação entre linguagens-significações.”[8] Para o autor, o conhecimento se define como
“[...] um fato complexo que ocorre dentro de um processo comunicacional. É a relação que se dá entre: (1) a linguagem do sujeito cognoscente e (2) a linguagem do sujeito destinatário sobre a (3) linguagem do objeto-enunciado.”[9]
            O conhecimento, então, é a estruturação daquilo que se apreende através da linguagem em um processo de comunicação. MOUSSALLEM amplia o discurso dizendo que não é possível conhecer atrelado apenas à percepção, ou realidade. Em seu entendimento, é necessário uma “[...] interposição do plano linguístico (dos enunciados), estruturando os universo dos termos-sujeitos e objeto.”[10]
II.            A QUE ESPÉCIE DE CONHECIMENTO (SABER) SE INTERESSA O CIENTISTA?
            O conhecimento num sentido amplo adquire muitas vertentes para a vida do ser humano. Existem conhecimentos úteis para o cotidiano, como noções de limpeza pessoal, noções de como se comunicar com outras pessoas, e até como se portar em tal sociedade, etc. Dentre muitos conhecimentos quer o indivíduo adquire em sua vida, aquele que é cientista, interessa-se especificamente por uma espécie. Ele busca aquele conhecimento, concordando com MOUSSALLEM[11], sem ambiguidades, sem a vagueza dos signos, que segundo o mestre, fogem ao objetivo do cientista que seria basicamente o de precisar as coisas.
            Então é esse o saber que o cientista procura. Busca aquilo que é preciso, é aquele conhecimento que possui um discurso dissociado da indeterminação dos termos, das definições, da vagueza e da ambiguidade. O conhecimento científico é aquele no qual os enunciados se tornam, segundo CARVALHO, “[...] na medida do possível unívocos e suficientemente aptos para indicar com exatidão, os fenômenos descritos.”[12]
            O saber científico então fica circunscrito no rigor da linguagem, na restrição metodológica e nas construções que demonstram certa exatidão na qual se possa identificar claramente os conceitos dos quais estão sendo tratados no discurso. Para CARVALHO,
“Na verdade, o saber científico dos tempos atuais é enfático em um ponto: todos entendem que não há como abrir mão da uniformidade na apreciação do objeto, bem como da rigorosa demarcação do campo sobre o qual haverá de incidir a proposta cognoscitiva.”[13]
            Concordando com MOUSSALLEM[14], o conhecimento é composto por enunciados (linguagem) e o cientista se afasta do saber do leigo e da linguagem ordinária, composta de vagueza e ambiguidades. O saber científico, para ele, utiliza uma linguagem que difere dos outros saberes, sua característica principal está no esmero e rigor na construção de seu discurso. Também para ele,
“Outra característica essencial que nos proporciona identificar o conhecimento qualificado como saber científico é a existência do método. [...] “método” no sentido de caminho a ser percorrido pelo cientista para a justificação de suas asserções, ou seja, são os instrumentos utilizados pelo cientista para se aproximar (approach) do objeto (entendido o “objeto” sempre em um sentido linguístico)”.[15]
            Concluindo, o saber científico, necessariamente tem que possuir segundo a bibliografia, três características principais: rigor, método e objeto. Sendo estes conceitos utilizados para nortear a fuga da ambiguidade e vagueza dos discursos comuns.
III.          QUAL É O ELEMENTO BÁSICO DA LINGUAGEM? QUAL É A RELAÇÃO DESTA COM A TEORIA DA COMUNICAÇÃO?
            Segundo CARVALHO,
“O falar em linguagem remete o pensamento, forçosamente, para o sentido de outro vocábulo: o signo. Como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação”.[16]
Ou seja, o elemento básico da linguagem é o signo. Através dos signos que é possível se construir uma linguagem e posteriormente significações. Sua relação com a teoria da comunicação tem grande relevância. A partir dos signos, podemos distinguir qual a linguagem empregada na comunicação e quais os significados que esses códigos convencionados buscam passar.
Com o estudo dos signos, surge a Semiótica, que tem como objeto de estudo principal “os signos dos mais variados sistemas.”[17]
“Peirce e outro americano – Charles Morris – distinguem três planos na investigação dos sistemas sígnicos: o sintático, em que se estudam as relações dos signos entre si, isto é, signo com signo; o semântico, em que o foco de indagação é o vínculo do signo (suporte físico) com a realidade que ele exprime; e o pragmático, no qual se examina a relação do signo com os utentes da linguagem (emissor e destinatário).”[18]
            Resumindo, os signos são o elemento principal na análise da linguagem. Sem o estudo desses, através da Semiótica, uma teoria da comunicação não seria possível. Convencionadamente, os signos são convertidos em linguagem, através de códigos construídos em certo grupo social, no qual definem quais os significados atribuídos e como se utilizar daqueles signos; isto é, atribuem significado, por exemplo, ao apanhado de gestos, sinais gráficos, sons a um objeto físico, constroem regras gramaticais, etc. Então a teoria da comunicação vem para adentrar na pesquisa de seus tipos, funções, níveis, dentre outros aspectos, produzindo conhecimentos científicos acerca do assunto.
IV.          “TODA METALINGUAGEM É REDUTORA DA LINGUAGEM QUE LHE É OBJETO. ISTO NÃO É DIFERENTE NA CIÊNCIA DO DIREITO. AS REDUÇÕES PODEM TER CARÁTER GERAL OU ESPECÍFICO, DEPENDENDO DOS RECORTES METODOLÓGICOS REALIZADOS PELO CIENTISTA”. AURORA TOMAZINI DE CARVALHO, CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO. DEFINA CORTE METODOLÓGICO E DESCREVA SUA IMPORTÂNCIA PARA O ESTUDO DO DIREITO POSITIVO.
Define-se como corte metodológico, segundo MOUSSALLEM, “[...] o ato linguístico delineador da linguagem do objeto de estudo.”[19] Sendo que por “objeto”, entende-se que seja aquilo o qual o estudo aponta, busca, delineia. O corte seria aquela separação, de acordo com a área de conhecimento, do que ela pretende se ater, do que pretende estudar. Por exemplo, a Medicina que busca estudar (numa posição tecnicista) o corpo humano nas suas relações biológicas.
Para o direito, essa definição de corte metodológico traça delineamentos do que a Ciência do Direito (ou diria eu, o Direito) busca trabalhar em seus estudos científicos. Com o desenrolar histórico, o conhecimento começa a ser delimitado, ficando cada área do conhecimento com seu corte metodológico, com sua linguagem, com suas “gírias” técnicas, etc. Com o Direito não foi diferente. Na corrente cientificizante, segundo MOUSSALLEM,
“A Ciência do Direito em sentido estrito (dogmática jurídica) não deve preocupar-se com aspectos externos ao objeto, como a moral, o costume (não juridicizado) e a justiça (extra-jurídica). Trata-se de campo fértil a outras ciências (ética, sociologia e filosofia) que não a dogmática jurídica. São jogos de linguagem distintos.”[20]
Para MOUSSALLEM, em seu texto, essa Ciência deve colocar-se dentro do direito positivo, não podendo “instalar-se fora para compreendê-lo como um fenômeno social. Resvalar-se-ia para o campo da Sociologia.”[21]
Entretanto, é importante ressaltar que essa “restrição” científica tem suas lacunas, não me parece tão fácil de perceber um objeto de estudo em qualquer ciência, que seja tão específico ao ponto de não ser tocado por nenhuma outra área do conhecimento. A intercomunicação e a interdisciplinaridade dos conhecimentos é factual, tanto que o próprio Direito e suas leis positivas podem ser tocados por várias áreas de conhecimento, e os próprios “cientistas” do direito também tocam ou até podem adentrar em outras áreas do conhecimento (ou ciências).
Boaventura de Sousa Santos reflete sobre as ciências em seu livro “Um discurso sobre as ciências”. Em um grifo meu, ele escreve que “[...] o conhecimento científico moderno é um conhecimento desencantado e triste que transforma a natureza num autómato”[22]. Portando esse movimento delimitador do movimento científico possui suas lacunas. Ele avança ainda mais, dizendo que,
“O rigor científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objectivar os fenómenos, os caricaturiza. É, em suma e finalmente uma forma de rigor que, ao afirmar a personalidade do cientista, destrói a personalidade da natureza.”[23]
Então, por mais que tentamos delimitar um objeto, ou realizar um corte metodológico, este possui lugares em comum com outras áreas de conhecimento. A dificuldade em isolar um objeto, ou realizar sucessivas experiências com as mesmas variáveis, é enorme, senão impossível para os seres humanos atualmente.
Para SANTOS,
“Os objetos tem fronteiras cada vez menos definidas; são construídos por anéis que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles.”[24]
Concluo então levantando a hipótese que o Direito, ou a Ciência do Direito, não consegue restringir-se à Dogmática. Ou somente ao direito positivo. Isso porque existiram outras formas de legislar durante a evolução histórica da humanidade que não se restringiam ao direito positivado. Logo, já aí começam as lacunas da delimitação de um objeto de estudo muito preciso. No entanto, isso não quer dizer que não exista um corte metodológico para o Direito, ou melhor, um caminho no qual o direito toca com mais frequência ao analisar suas questões, ou um lugar do qual parte as análises de seus estudos, mas sim que este, o Direito, ou sua ciência, toca e/ou pode ser tocado por outras áreas de conhecimento ou ciências.
V.             A RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL PODE SER VISTA COMO UM PROCESSO DE COMUNICAÇÃO ENTRE AS PARTES? SE SIM, DESCREVA A FUNÇÃO DAS PARTES E DO ESTADO-JUIZ EM TAL RELAÇÃO, DE ACORDO COM A TEORIA ANGULAR DA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. DO CONTRÁRIO, DESCREVA A MELHOR MANEIRA DE SE OBSERVAR A RELAÇÃO EM QUESTÃO.
A relação jurídica processual pode ser vista como um processo de comunicação entre as partes. Isso porque para que exista qualquer ação processual, deve haver segundo a teoria angular do processo: autor, réu e juiz. Resumindo, devem haver uma relação dialógica em uma relação jurídica processual, na qual sempre vai existir aquele que processa e o aquele que é processado e o juiz.
As partes, através do aparato jurídico, objetivam convencer o juiz (responsável por decidir o litígio), através de seu discurso, a decidir a favor da sua vontade. JEVEAUX, diz que
“[...] se se considerar o sistema jurídico mais que um conjunto de normas ou instituições, mas um fenômeno de “partes em comunicação”, onde estão pressupostos uma interação (troca de mensagens), um relato (informação contida na mensagem) e um cometimento (informação sobre como encarar a mensagem), a atuação do Juiz-Estado como terceiro comunicador – além dos dois primeiros, que são as partes, as quais estarão sujeitas à decisão – ocorre numa situação de controle comunicativo para tornar a decisão um instrumento de suscitação de obediência, justamente através de um domínio e de uma estratégia de domínio.”[25]
Então, o Estado-juiz atua como uma espécie de mediador do conflito, trabalhando em três acepções, segundo JEVEAUX.[26] Uma delas trata o juiz como autoridade estatal, cuja atribuições constituem na “[...] verificação da validade e eficácia do direito”; a segunda diz respeito à certa mobilidade na interpretação da situação; e “[...] a terceira, como estudioso de uma doutrina que coloca os princípios na base e mesmo antes da edição legislativa, autodenominada de “científica”.”
Nesse sentido o juiz busca atuar em um sentido de imparcialidade para que suas emoções, posição social, entendimentos políticos, etc., não interfiram em suas decisões judiciais (mesmo que esse caminho seja árduo); já que as interferências externas são constantes, desde daquelas que se originam das partes, quanto da comoção social, da imprensa, de ameaças, etc. Portanto, é por isso que a imparcialidade do juiz é tão imprescindível em um processo judicial.
VI.          BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, P. d. (2008). Direito Tributário: Linguagem e Método. Capítulos I e II: Direito e Filosofia; Noções Fundamentais para uma tomada de Posição Analítica. São Paulo: Noeses.
GUIBOURG, R. .. (2004). Introducción al Conocimento Cientifico. Capítulos I e II: Language; Conocimiento. Buenos Aires: Eudeba.
JEVEAUX, G. C. (1999). A Simbologia da Imparcialidade do Juiz. Capítulo I: Direito e linguagem: A Simbologia do Imparcial. Rio de Janeiro: Forense.
MOUSSALLEM, T. M. (2006). Fontes do Direito Tributário. 2ª ed. Capítulo I: Conhecimento, Linguagem e Direito. São Paulo: Noeses.
SANTOS, B. d. (1995). Um discurso sobre as ciências. 7ª Edição. Porto: Edições Afrontamento.



[1]  (GUIBOURG, 2004)
[2]  (CARVALHO, 2008)
[3]  (MOUSSALLEM, 2006)
[4]  (MOUSSALLEM, 2006)
[5]  (CARVALHO, 2008)
[6]  (CARVALHO, 2008)
[7]  (CARVALHO, 2008)
[8]  (MOUSSALLEM, 2006)
[9]  (MOUSSALLEM, 2006)
[10]  (MOUSSALLEM, 2006)
[11]  (MOUSSALLEM, 2006)
[12]  (CARVALHO, 2008)
[13]  (CARVALHO, 2008)
[14]  (MOUSSALLEM, 2006)
[15]  (MOUSSALLEM, 2006)
[16]  (CARVALHO, 2008)
[17]  (CARVALHO, 2008). Signos, lenguaje y conducta, Buenos Aires, Losada. 1962.
[18]  (CARVALHO, 2008)
[19]  (MOUSSALLEM, 2006)
[20]  (MOUSSALLEM, 2006)
[21]  (MOUSSALLEM, 2006)
[22]  (SANTOS, 1995)
[23]  (SANTOS, 1995)
[24]  (SANTOS, 1995)
[25]  (JEVEAUX, 1999)
[26]  (JEVEAUX, 1999)

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